Vejo-a correr de um lado para o outro com passos céleres, ao mesmo tempo que o suor lhe escorre pela cara numa mistura aflitiva de lágrimas. Uma distração, um baixar da guarda, um olhar no infinito e o pequeno Rodrigo, que se entretinha com as conchas que trouxera do mar e um caranguejo perneta, já não estava ali. Mesmo de longe, os corações de mãe, como que ligados por uma teia invisível, perceberam o tumulto que se formara e Júlia não precisou gritar ao mundo por ajuda porque, em segundos, um batalhão de gente apreensiva organiza-se na busca do menino. O que antes era uma praia ensolarada, de sorrisos salgados e lanches doces é agora um labirinto de possibilidades, coberta por uma nuvem escura e carregada de incertezas.
Só quem tem filhos é que entende a angústia, porque neles vivem os nossos maiores sonhos na mesma proporção dos nossos maiores pesadelos. São tão grandes os medos que nos recusamos a exprimi-los em voz alta porque tememos a força das palavras. Se o mundo nos permitisse, erguíamos uma cerca estanque a todo o mal, impenetrável de qualquer perigo, um ventre perpétuo. Aceito quando me dizem “temos que os deixar voar”, mas imagino-me sempre por baixo a amparar a queda.
O telefone tocou. Num tempo em que os telefones ficavam em cima de móveis e não eram telemóveis, uma chamada tinha outro valor, outra atenção. Aquele alarme, ao início da noite, era o desatar do nó que Paula sentia no peito desde cedo: “Minha Senhora, lamentamos, mas o seu filho não resistiu.” Tiago tinha sido vítima da pressa, da imaturidade, do fio da navalha. É absurdo tentar encontrar palavras para descrever a dor, porque nunca sabes a verdadeira raiva de um rio até nele mergulhares. Mantenho-me segura na margem mas imagino que não haverá escuridão mais profunda e lama mais densa que a perda de um filho.
O quarto de Tiago continua intacto. A cama feita, as roupas dobradas, os livros do primeiro ano de engenharia sem sinais de uso. A luz entra, as estações passam, os cheiros permanecem, a moldura que sorri para Paula todos os dias. É aqui que recebe os sinais para continuar, para se manter viva. Alguns anos mais tarde, na impossibilidade de gerar, o casal recebe dois meninos, de traços tão iguais que os de fora só os conseguem distinguir pelo sinal na face do mais tímido. Quando os vejo, alinhados nos gestos, nos gostos, nos hábitos, faço fé na ideia que o amor não se substitui, mas pode multiplicar-se.
Entretanto, Rodrigo apareceu. O comandante empossado para aquela missão, um ternurento avô de ocasião, trá-lo pela mão perante os olhares enternecidos. O menino está confuso e inocentemente feliz na sua aventura de meia dúzia de metros que um dia lhe vão contar como um grande susto. Júlia voa ao seu encontro. Nunca um vestido verde me pareceu tão certo como naquele momento. De longe sinto-lhes a pulsação, a trepidação de dois corações que batem em uníssono. A praia respira de alívio, mas mantemo-nos alerta porque no mesmo momento em que nasce um filho, nasce também um pai em constante desassossego.