1. Em Portugal, podemos sempre contar com o empenho e a pontualidade dos pequenos aspirantes a censores. À primeira oportunidade, aí estão eles, ansiosos por cortar e calar. Quando um grupo de adeptos do Sporting decidiu ocupar recreativamente as suas horas livres a espancar jogadores, a reacção automática de um número inquietante de figuras (incluindo alguns venerados estadistas) foi pressionar as televisões a acabarem com os programas de debate sobre futebol.

É a nossa velha tendência para impedir que os assuntos incómodos cheguem ao debate público. Nos transportes, nos escritórios e nos estádios, toda a gente discute arbitragens, penáltis e golos — mas, segundo as vestais do futebol, os estúdios de televisão deviam optar pela discrição e pelo silêncio. Seria, obviamente, a melhor forma de agravar aquilo com que se quer acabar: o futebol ficaria ainda mais sob suspeita se, em vez da luz, houvesse a sombra; em vez da denúncia, a conspiração; em vez do barulho, o sussurro.

Como é evidente para qualquer cérebro portador de células cinzentas (bastam duas ou três), os debates das televisões não são exemplos de elevação: há berros, há ameaças físicas e há homens de barba que se encontram perigosamente perto de uma síncope. E também não são exemplos de imparcialidade: os comentadores dizem quase sempre bem do seu clube, raramente dizem mal do seu clube e declaram-se, com permanente prontidão, dispostos a morrer pelo seu clube.

Por causa de tudo isto, os comentadores de futebol têm uma péssima reputação. De cada vez que os ouve, quem tem bom gosto e boas maneiras suspira contra essa espécie de leprosos da televisão, figuras pouco frequentáveis e nada recomendáveis. Durante anos, foram tratados e destratados como os maluquinhos que acreditam em extraterrestres, acusados de dizer coisas exóticas e fantasistas.

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Há, porém um problema. Um pequeno problema. Ou antes: um grande problema. É que, de acordo com as autoridades, eles têm razão. Nos debates de grande audiência, passaram anos a discutir penáltis roubados, jogadores comprados, falhanços suspeitos, resultados estranhos, coincidências improváveis. E, afinal, imaginem só: contra todas as evidências, parece que era mesmo verdade. Nos últimos meses, as investigações da PJ e do Ministério Público pretenderam mostrar que o futebol é um mundo que mistura a lama e o crime.

Se os polícias e os procuradores tiverem razão, seremos todos forçados a concluir que as discussões sobre futebol nas televisões nos últimos anos não foram de mais — foram de menos; não foram uma extravagância — foram uma lição; e não foram uma vergonha — foram um aviso. Os leprosos mereciam todos uma comenda.

2. O atual governo socialista, solidamente suportado pela geringonça, mostrou esta semana uma irresistível atração pelos negócios imobiliários. Primeiro, uma notícia do Observador revelou que, enquanto exercia as funções de primeiro-ministro, António Costa comprou um apartamento no Rato para o vender dez meses depois pelo dobro do preço. Esta terça-feira, o Eco escreveu que Pedro Siza Vieira, ministro Adjunto do primeiro-ministro e amigo pessoal de António Costa, abriu uma empresa imobiliária um dia antes de tomar posse. Torna-se assim evidente a razão pela qual o combate à especulação imobiliária se transformou numa das orgulhosas bandeiras deste Governo: eles sabem do que falam. E o BE e o PCP, em mais uma demonstração de obediente sapiência, sabem que não falam. Tudo se compra, tudo se vende.