Agora que a poeira dos resultados autárquicos pousou, vale a pena fazer um pequeno exercício de projecção futura. E há três ideias que me parecem importantes de destacar sobre a direita e os caminhos por percorrer até às legislativas de 2023.

A primeira ideia é que é possível derrotar o PS. Soa a evidência? Agora, sim. Mas na semana passada a hegemonia dos socialistas era um dado adquirido em Lisboa e por todo o país, após António Costa ter ido despudoradamente exibir a bazuca e lançar promessas. Recorde-se que, na campanha eleitoral autárquica da capital, os debates prepararam-se com a convicção de vitória certa para Fernando Medina. De tal modo que os candidatos da esquerda (PCP/BE) acotovelaram-se para ocupar o lugar de muleta do delfim socialista. Ora, Carlos Moedas tem o enorme mérito de ter acreditado na possibilidade de vitória desde a primeira hora, correndo os riscos pessoais, profissionais e políticos de assumir uma entusiasmante candidatura a Lisboa.

Esta primeira ideia não é um detalhe, pois tem uma consequência estratégica: o caminho para o poder constrói-se em confronto com o PS e não em articulação com o Governo e o primeiro-ministro. Problema: esta conclusão mantém-se pouco popular na direcção do PSD. O que conduz, então, à segunda ideia a destacar: Rui Rio não é o líder de que o PSD precisa para desafiar António Costa e vencer eleições legislativas em 2023.

Ao contrário do que tantos têm comentado, as autárquicas não reforçaram a liderança de Rui Rio — apenas aliviaram a pressão interna dos seus adversários. Mas não se confunda uma onda com o mar. O ponto é este: as vitórias locais de candidatos do PSD, como Carlos Moedas, não convertem Rui Rio num bom candidato a  primeiro-ministro. Se este raciocínio é lógico, há também uma questão política saliente: as estratégias autárquicas mostram bem como Rui Rio perdeu as condições para encabeçar uma alternativa ao Governo. Repare-se: em Lisboa, Moedas protagonizou uma polarização — era Medina ou era a mudança que só Moedas representava. Mas Rui Rio nunca poderá fazer o mesmo face a António Costa, pois passou demasiado tempo a tentar ser o parceiro preferido do Primeiro-Ministro (substituindo a esquerda na geringonça, mas mantendo o PS numa posição dominante). As suas posições desde 2018 mostram que Rui Rio nunca quis ser oposição nem alternativa ao Governo. E é essa a imagem que o país tem do seu PSD: indistinguível do PS de António Costa. Não há projecto mobilizador e vencedor que possa nascer dessa indiferenciação.

Agora, a terceira ideia: é possível a direita vencer sem o Chega. Estou entre os muitos que, desde cedo, manifestaram a convicção de que essa separação do centro-direita face ao populismo de André Ventura era desejável e necessária. Muitos outros reagiram, salientando que as linhas vermelhas, à direita, serviriam apenas o propósito de eternizar a hegemonia do PS. Nestas autárquicas, isso não foi verdade. E se a transposição para o contexto de eleições legislativas não pode ser directa, face à necessidade de aí obter uma maioria absoluta para não se ser derrotado por uma geringonça no Parlamento, creio que a volatilidade e o amadorismo das candidaturas autárquicas do Chega demonstraram a sua incompatibilidade estrutural com uma alternativa política séria e credível — isto para além das já referidas e inultrapassáveis questões de princípio face a medidas socialmente discriminatórias. Numa federação de partidos à direita, o Chega tira votos, não acrescenta. E se a sua representação parlamentar um dia lhe der a importância de decidir se apoia ou não um Governo de centro-direita, essa terá de ser uma decisão do Chega, mas ficando de fora — e não uma ambição de aproximação por parte do PSD.

O cenário político mudou e os olhos já espreitam o horizonte de 2023. Ficam as lições, que a direita terá de assimilar se pretender vencer em 2023: o PS não é invencível; a polarização em nome da mudança é necessária, mas incompatível com Rio (que tem de sair); e a direita não precisa do Chega para ganhar.

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