“Keep it simple, stupid!”, Kelly Johnson, engenheiro aeroespacial e pai do famoso “KISS principle”
Nos últimos meses, envolvi-me numa aventura comum a tantos portugueses – a mudança de casa – que rapidamente se transformou numa jornada cheia de peripécias. Sendo uma pessoa organizada, planeei a mudança de maneira a mitigar deslocações e esforços desnecessários ou ineficientes. Como pessoa precavida, sabendo que existem sempre imponderáveis, previ alguns atrasos ou falhas que pudessem ser corrigidos sem prejudicar o planeamento geral. Na mudança, contei com o apoio de algumas empresas que me acompanham há muitos anos, nacionais, transportadoras, lojas de mobiliário e de retalho que nunca me falham, com quem trabalho profissional e pessoalmente com gosto e confiança. A vida, porém, é recheada de ironias, e foram as empresas que mais enchem a boca com a sustentabilidade aquelas que se revelaram mais ineficientes, exibindo grandes fragilidades estruturais em termos de consciência ambiental, sem que as suas práticas estejam alinhadas com os valores que tanto proclamam. Esta experiência mostrou-me, nas empresas que menos esperava, uma desconexão profunda entre o marketing e a realidade, a que hoje comumente se apelida de greenwashing.
A que se revelou campeã no campo da insustentabilidade dos seus processos foi uma famosa multinacional nórdica, a mesma que na sua página web e na secção de “sustentabilidade” nos ensina que, e cito, “todas as pequenas ações do dia a dia contam”, dando-nos “algumas ideias para começar (…) a poupar energia e água, evitar o desperdício alimentar e reduzir a utilização de descartáveis”. Devolvo a simpatia e, com o mesmo grau de paternalismo, faço minhas as palavras da empresa: “Vamos a isso?”:
1. Entregas falhadas: Por três vezes, fiquei à espera de encomendas que nunca chegaram, sem qualquer aviso prévio ou póstumo. Cada uma dessas falhas implicou que me deslocasse desnecessariamente, percorrendo 80 km de ida e volta, gerando uma pegada de carbono que, de outro modo, poderia ter sido evitada. Concordo plenamente com a afirmação que “todas as pequenas ações do dia a dia contam”; ora, se as empresas praticassem o que recomendam aos clientes, o mundo seria muito melhor. No meu caso, bastava que os senhores das terras vikings se organizassem para avisar em tempo útil da impossibilidade de cumprirem com os seus compromissos de entrega.
2. Quem entrega não monta: Descobri, para meu espanto, que as equipas de entrega e as equipas de montagem não são as mesmas. Ou seja, a cada entrega, não só o processo é duplicado como o impacto ambiental é amplificado. Por que motivo não combinar ambas as funções numa única deslocação? Esta simples mudança reduziria, de forma significativa, as emissões associadas. E não se diga que isto é algo inviável, pois uma outra empresa a que recorri, de menor dimensão, que não iça a bandeira do ambiente, fez toda a entrega de uma só vez, montou os móveis e – pasme-se – recolheram todo o material das embalagens, levando-o de volta para assegurar a devida reciclagem.
3. A mesma encomenda foi repartida por várias entregas: Embora tenha feito uma única encomenda e confirmado que havia stock disponível na mesma loja, as entregas foram fracionadas em dias distintos, sem explicação plausível. O cúmulo da ironia ocorreu com a entrega de um móvel composto por três peças, o qual estará para ser entregue em momentos diferentes (assumindo que vai chegar). Primeiro, chegaram duas peças. Algum dia no futuro, chegará a terceira. As duas peças entregues, se tudo correr agora em condições, ficarão mais de duas semanas num corredor a aguardar montagem a funcionar como “instalação” de arte ao estilo Rauschenberg.
4. Montagem atrasada: Apesar de tudo ter sido organizado com antecedência e a encomenda ter sido feita apenas para peças de mobiliário que, à data, sinalizavam existência de stock, o que deveria ter sido montado de uma só vez implicará pelo menos mais uma deslocação. O ambiente agradece. Ou dirá “tack”, expressão em sueco com que se despede o atendimento ao cliente no Facebook, numa simpatia contagiante que peca apenas por ser inútil.
5. Canais de contacto ineficazes: Não criem canais de contacto que não funcionam só para estarem nas “redes”. Sim, porque responderem literalmente 28 horas depois a um pedido sobre o estado de uma encomenda, recomendando-me que ligue para um número de telefone que eu já conhecia – e onde o período de espera chegou a ultrapassar os 45 minutos – não é de grande ajuda, ainda que seja “cool” ser atendido entre “hejs” e “tacks”, seja lá o que isso signifique.
Muitas empresas estão de tal forma adormecidas em mantras pós-modernos que perderam a noção do essencial: o cliente real. Numa chamada, onde esperei mais de 45 minutos, no fim de uma via crucis de opções que qualquer pobre cliente tem de sofrer até ser atendido por uma voz humana, a última alternativa do menu que me foi perguntada é se, por algum acaso do destino, seria eu “vítima de violência doméstica”. A sério, pergunto-me quem é o cínico marketeer que acha oportuno, útil e razoável abordar um cliente desesperado com semelhante questão.
Não vou fazer a piada fácil, que por esta altura muitos já terão antecipado.
Da minha parte, esta recente experiência fez-me perceber que, por vezes, o verdadeiro ato sustentável é questionar, exigir transparência e, quando necessário, optar por soluções que, embora possam não ser as mais “modernas” ou “verdes” na aparência, são as mais responsáveis. Porque, no final do dia, a sustentabilidade não se mede nos clichês de empresas que usam o discurso sustentável como fachada sem que isso se traduza em práticas reais e consistentes, mas nas escolhas que fazemos. E eu seguramente vou passar a estar mais atento e ser mais responsável na hora de comprar.