1 Dizia o José Manuel Fernandes há umas semanas no seu programa “Contra Corrente” que a direita não pode ter apenas ideias económico-financeiras para construir um projeto reformador de conquista do poder. Não podia estar mais de acordo.

Vamos começar pela política de integridade — uma causa sobre a qual o centro-direita pode reclamar um património reconhecido pela Opinião Pública durante o Governo PSD/CDS entre 2011 e 2015. Foram quatro anos em que o combate à corrupção evoluiu (mesmo), em que a Operação Marquês e o Universo Espírito Santo (e muitos outros processos) foram investigados com toda a liberdade pelas autoridades judiciais. E em que o poder político, na pessoa de Pedro Passos Coelho, recusou prestar vassalagem ao poder económico na pessoa de Ricardo Salgado.

Este património, que foi completamente desperdiçado pela liderança falhada de Rui Rio (basta ver o caso de nepotismo que o próprio Rio promoveu com a sua porta-voz para a Justiça e o respetivo marido), é um ponto de partida para aprofundar uma política de integridade na vida pública em que o combate à corrupção seja uma área tão prioritária como a económica. Porquê? Porque as duas coisas — integridade e riqueza — estão interligadas. Por alguma razão, os países mais ricos (mais letrados, mais informados e com uma cidadania mais consciente), são os menos corruptos em termos de perceção.

As ideias são tão simples como estas:

  • Prioridade orçamental no financiamento do Ministério Público e Polícia Judiciária para colmatar as inúmeras lacunas de meios que há anos e anos são reclamadas por aquelas instituições para combater a criminalidade económico-financeira;
  • Apostar na especialização da magistratura judicial no combate à criminalidade mais complexa e organizada, com destaque para a criação de um tribunal de julgamento competência nacional;
  • Combater sem tréguas os conflitos de interesse no poder executivo e no poder legislativo, alargando-se a malha e o conteúdo das incompatibilidades a deputados, membros de gabinete do Governo, autarcas, gestores públicos e administradores de qualquer tipo de empresa que receba fundos públicos;
  • Reforçar a independência e o poder dos reguladores setoriais para escrutinarem os respetivos mercados, bem como as decisões do poder executivo sobre os mesmos;
  • Aprofundar a transparência na contratação pública, reduzindo-se os inúmeros segredos que promovem a opacidade de entidades públicas administrativas e empresariais, dando assim força ao escrutínio do jornalismo e da sociedade civil;
  • E aprofundar o modelo original da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública para promover a despolitização dos corpos técnicos do Estado. A imparcialidade da função pública, que já tem mais de 70 mil funcionários desde 2014, é essencial para uma administração aberta que promova a transparência e o acesso à informação.

2 Veja-se o exemplo do recrutamento da administração pública. Um recente trabalho de investigação do Expresso confirmou o que já se desconfiava há muito: que o modelo da Cresap foi totalmente manipulado pelo Governo de António Costa para politizar a administração pública com boys e girls da confiança do PS.

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Como? Através de uma habilidade (algo muito apreciado pelo primeiro-ministro): nomeia-se um dirigente em regime de substituição (o tal que tem o cartão de militante do PS), deixa-se lá estar o boy durante um tempo significativo e depois abre-se um concurso feito à medida de quem está no cargo.

Os números não mentem: em 68 procedimentos concursais analisados pelo Expresso, cerca de 69.1% correspondem a casos em que o dirigente nomeado já tinha sido nomeado um ano antes (ou mais) pelo Governo. “Há uma viciação do princípio republicano do concurso”, disse João Bilhim, primeiro presidente da Cresap.

O PS é assim: não quer menos do que o poder absoluto, com uma administração pública totalmente domesticada. Uma espécie de Graça Freitas em loop e ao serviço do Governo.

O grande problema é precisamente esse, pois sem uma administração pública independente do poder executivo, nunca se conseguirá atingir uma neutralidade e imparcialidade obrigatórias. Por muito que os sucessivos governos assim tenham feito, uma direção-geral não é um gabinete do ministro, nem o diretor-geral é um assessor do titular de cargo político.

3 Se a liberdade económica é fundamental para o centro-direita, como já defendi aqui, a liberdade social não lhe fica atrás. A liberdade para ter acesso a uma melhor educação, a uma saúde efetiva e a uma reforma justa é fundamental para o real desenvolvimento do país.

Sendo certo que já falei aqui sobre a urgência de uma reforma da Segurança Social para promovermos uma maior justiça inter-geracional, a saúde e a educação podem ser igualmente a prova de que, ao contrário dos mitos urbanos difundidos (com êxito) pela extrema-esquerda, as políticas liberais do centro-direita podem promover mais igualdade e mais progresso económico do que as políticas estatizantes.

Para começar, o preconceito sobre a colaboração com o setor privado tem de acabar de uma vez por todas.

Veja-se o caso da Educação. Não há nenhum argumento racional, por exemplo, para o Governo ter terminado com os contratos de associação com escolas do setor privado que permitiam, por um lado, que alunos de áreas mais desfavorecidas tivessem acesso a uma melhor educação e, por outro lado, promovia poupança para o Estado.

Por isso mesmo, a liberdade de escolha da escola para os seus filhos, assim como blindar os estabelecimentos educativos a qualquer tipo de influência ideológica, devem ser as prioridades.

O mesmo se diga sobre a área da Saúde: liberdade de escolha do médico e hospital (independentemente de ser público ou privado), promovendo-se, em paralelo, um aprofundamento das parcerias público-privadas nesta área — que geraram poupanças significativas para o Estado e uma saúde de qualidade para os beneficiários do SNS, segundo o Tribunal de Contas.

Por essa via dupla via, conseguir-se-á mais concorrência entre o setor público e o privado e, por arrasto, maior eficiência entre os dois setores. Só assim se conseguirá dar maior sustentabilidade ao SNS e atingir o objetivo essencial do Estado nesta área: assegurar uma igualdade no acesso à saúde para todos os cidadãos.

4 Para um projeto reformador ter êxito é fundamental que a influência na juventude seja significativa e que a velha batalha cultural no espaço público e nos media seja ganha. Comunicação social, cultura e juventude têm sido negligenciadas pela direita desde há longos anos. Incapacidade, incúria e incompetência são as explicações mais fáceis (e verdadeiras) mas algo tem de mudar.

Os media, por exemplo, são mais uma área em que o centro-direita tem um claro património de liberdade para reclamar. Foi o Governo de Cavaco Silva que fez liberalização do setor da comunicação social no início dos anos 90, privatizando todas as empresas que detinham jornais e rádios e acabando com o monopólio da RTP. Tal como foi o Governo de Durão Barroso (através de Morais Sarmento) a terminar com a governamentalização da informação da estação pública. E, finalmente, foi o Governo de Passos Coelho a criar um modelo de governance independente para a RTP (executado por Miguel Poiares Maduro), não tendo promovido as habituais movimentações nas direções de jornais para pessoas mais próximas da cor política governamental — tradição recuperada por António Costa.

O problema de Passos Coelho é que julgou desde a primeira hora que a batalha da comunicação social estava perdida. Um pensamento profundamente errado — e que remete para a relação histórica falhada que a direita tem com os media e também com a área cultural

Já a juventude é outra conversa. Durante muitos anos, a JSD e outras juventudes partidárias do centro-direita conseguiram ter influência na sociedade. Com a exceção da Iniciativa Liberal, os partidos do centro-direita deixaram de lutar pelo poder no mundo universitário, nomeadamente ao nível das associações de estudantes. É urgente que isso seja recuperado porque a juventude é essencial para conquistar influência no debate público e ganhar a batalha cultural.

5 Ao longo dos últimos artigos (ver aqui e aqui), tentei deixar algumas ideias para um projeto reformador do centro-direita. Foi um contributo de alguém que é jornalista e que exercerá sempre o seu escrutínio profissional de forma independente e sem motivações ideológicas. Mas é igualmente o contributo de um cidadão que tem uma visão sobre o mundo (assumida nos textos de opinião) e que está profundamente preocupado com o futuro do país.

É em nome desse futuro que o centro-direita tem a obrigação histórica de preparar (com tempo) um projeto reformador exequível e com conteúdo para concretizá-lo quando reconquistar o poder.