A consolidação da internet e das redes sociais tem tido profundas consequências no discurso público, no comportamento político e, consequentemente, na democracia. Nesta crónica, no Observador, já me dediquei a espaços a estes temas, desde logo realçando o impacto dos algoritmos de personalização no discurso político. Na linha do que é defendido por autores como Sunstein e Pariser, enfatizei como tais algoritmos, que adaptam o conteúdo às preferências e interesses dos usuários, conduzem à criação de “câmaras de eco” ou “bolhas de filtro”. Essa personalização leva ao aumento da polarização, pois os usuários são expostos principalmente a informações que confirmam as suas crenças enquanto são isolados de pontos de vista opostos.

Já autores como Vaidhyanathan destacam o que se designa por “economia da atenção”, na qual plataformas digitais como a Meta ou o Twitter procuram lucros ao capturar e monetizar a atenção do usuário. Estes modelos de negócio, não obstante as diversas vantagens que patrocinam, contribuem para uma cultura de distração, sensacionalismo e desinformação, prejudicando ainda mais o envolvimento significativo com questões complexas. Morozov, por seu lado, desafia a suposição em que muitos incorremos, nos tempos dourados da blogosfera e da emergência das redes sociais, de que a internet é inerentemente democratizante, para destacar o potencial totalitário da tecnologia e o seu uso para a vigilância, controle e manipulação por regimes políticos. Morozov critica a prevalência do “ciberutopismo” e do “internetcentrismo”, convidando a que sejamos exigentes na análise do impacto da internet na sociedade e na política.

Noutro eixo de análise, relevante para a mensagem final desta crónica, Benkler, Faris e Roberts exploram a assimetria de radicalização e desinformação nos ecossistemas mediáticos, apontando para a contribuição que muitas empresas de media têm, elas próprias, na promoção de “fake news” e teorias da conspiração, consolidando a sua sobrevivência na mimetização de estratégias semelhantes às das grandes plataformas digitais.

As redes sociais conduzem a uma fragmentação da esfera pública, dificultando a criação de plataformas de entendimento comum e a partilha de valores. Por mais paradoxal que possa parecer a muitos, a polarização e a fragmentação não são uma expressão do pluralismo, nem robustecem a democracia. Em vez de promoverem um entendimento comum e valores compartilhados, as redes sociais permitem que os usuários se exponham seletivamente – e apenas – a informações e perspetivas que se alinham com as suas crenças, dificultando o envolvimento dos cidadãos em debates fundamentados sobre questões importantes. Neste particular, o comando algorítmico tem vindo a reduzir significativamente o papel do “acaso” ou, dito de outra forma, dos encontros fortuitos das pessoas com pontos de vista diversos e fontes de informação variadas, pressupostos essenciais para que haja sociedades democráticas saudáveis. Na era pré-internet, era mais provável que as pessoas fossem expostas a uma variedade de perspetivas por meio de jornais, revistas e televisão. No entanto, os algoritmos de personalização das redes sociais tendem a mostrar aos usuários conteúdo que se alinha com seus interesses e crenças, reduzindo a probabilidade de encontros fortuitos com diversos pontos de vista. Mais ainda, as redes sociais, apesar de terem um aparente objetivo declarado de conectar pessoas, têm na verdade tido um efeito prejudicial na qualidade das interações sociais, já que o design das plataformas encoraja conexões rasas e superficiais e que, em muitos casos, exacerbam sentimentos de solidão e alienação. Tudo isto leva a uma maior polarização, mal-entendidos e uma esfera pública fragmentada, limitando o desenvolvimento de empatia, compreensão e criação de compromissos na esfera pública, a despeito das diferenças essenciais que deverão – sempre – existir numa sociedade plural e saudável.

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Nesta linha de ideias, há que ser claros e desafiar a convicção generalizada em alguns sectores, de que a Internet promove inerentemente a liberdade, a democracia e os direitos humanos, por libertar o cidadão do condicionamento das mediações. A “falácia da liberdade na internet” baseia-se numa compreensão excessivamente simplista e idealista do impacto da tecnologia na sociedade. Pois se, por um lado, as redes sociais criam uma sensação de liberdade e de ausência de condicionamento na opinião, a realidade, nua e crua, é que as grandes plataformas digitais existem para a monetização e promoção da subjetividade, tendo um potencial totalitário imanente à tecnologia que permite que possam ser usadas como ferramentas de vigilância, propaganda e controle pelos regimes políticos. Assim, há que ver com moderação a ideia de que a internet é deterministicamente uma força inerentemente libertadora (não obstante o possa ser), e desconfiar dos que enfatizam o papel da internet na condução de mudanças sociais e políticas. O que verificamos, hoje, é que as redes sociais desviam o debate para políticas e intervenções superficiais (e erradas), que não conseguem dar conta da complexidade dos problemas do mundo real. Neste campo é particularmente pernicioso o “ativismo” online, ou de sofá, limitado a ações de baixo esforço, como assinar petições, gerar likes ou compartilhar conteúdo. Este tipo de ativismo – que Morozov apelidou de “slacktivismo” – cria uma ilusão de “engagement” e impacto, enquanto desvia energia e recursos de formas mais eficazes de intervenção cívica.

Perante este cenário, as mediações têm uma responsabilidade reforçada para robustecer as democracias. Os conteúdos que organizam de forma estruturada as diversas complexidades e, até, os paradoxos do real, ponderando com peso, conta e medida, os vários interesses em jogo, são cada vez mais necessários para combater a cultura de simplismo, exploração das emoções e do imediatismo que as redes sociais tanto valorizam. Neste contexto, os órgãos de comunicação social têm, como sempre tiveram, um papel fundamental de “watchdogs” da ação política, devendo funcionar como o quarto pilar da democracia. A complexidade e a interdependência do ecossistema mediático são essenciais para que tenhamos democracias sólidas, sendo os órgãos de comunicação social relevantes na promoção da alfabetização digital e de um ambiente mediático diversificado e robusto. As plataformas mediáticas são úteis, quando enfatizam a serendipidade e a exposição a diversos pontos de vista; sempre, porém, que o comentário político ou o jornalismo se deixa amaciar pela proximidade com os poderes políticos, promovendo um discurso suave no seu escrutínio, abre-se a porta para que as redes sociais conquistem o papel de liderança do processo democrático, favorecendo os extremismos e dificultando a criação de plataformas de entendimento essenciais para que haja ação governativa.

Por estes dias, fora de Portugal, no centro da Europa, testei reações com vários amigos sobre o que se passa no nosso país, a reboque da TAP. A maioria dos europeus fica estupefacta com tudo o que lhes é relatado, sinalizando que nos seus países o conjunto de incidências ocorridas seria impossível de acontecer. Mais ainda, alemães, belgas, franceses, holandeses, britânicos e nórdicos assinalaram que qualquer uma das ocorrências, isolada, seria motivo para a queda dos respetivos governos. No eixo oposto, um latino-americano, a viver na Europa há vários anos, sorrindo, dizia, “afinal, Portugal é como a minha Argentina!”. Não obstante a simpatia que muitos jornalistas em Portugal têm por alguns políticos sul-americanos, é importante que os media definam se querem rivalizar com as redes sociais seguindo-lhes os maus exemplos, ou se assumem o seu papel original, de verdadeira mediação e quarto poder, que é onde está o seu valor (e, obviamente, a sua possível sobrevivência).