Nos últimos dias, surgiram por aí diversos vídeos ilustrativos do momento em que, durante os voos, as companhias aéreas americanas anunciaram o fim das máscaras no interior dos aviões. São testemunhos de alegria, inequívoca por parte do pessoal de bordo e, ao que me pareceu, da maioria dos passageiros. Suspeito que a alegria é precoce e, certamente, desajustada. Por um lado, aquela gente agradece a devolução de uma liberdade que, com péssimos modos, lhe fora retirada. Por outro, nem sequer foram os mandantes da imposição a retirá-la, e sim uma juíza na Flórida que decretou ilegal a imposição. O governo federal, aliás, já anunciou que tentará impugnar judicialmente tamanha libertinagem. Uma representante do sr. Biden explicou que é importante o CDC (a DGS de lá, só um nadinha mais composta) não abdicar do poder de despejar proibições em cima da ralé. E vários “especialistas” (tão ridículos quanto os de cá) esclareceram que é importante aguardar – adivinharam – mais duas semanas, as mesmas que se aguardam há dois anos.

Poder e irracionalidade, tragédia e comédia. Cito o exemplo dos EUA porque é dali que têm saído as directivas a cumprir em matéria de Covid, que depois aplicamos com superior zelo e incomparável consenso. A cabecinha do sinistro dr. Fauci, que em jovem alertava para o contágio do HIV pelo ar e em velho garantia que a vacina impediria a infecção pelo coronavírus, é o modelo de quase todas as políticas ocidentais de “combate” à Covid. Nenhuma das políticas resultou, o que não abalou as convicções de quem manda e de quem obedece. Não fosse a evolução natural do vírus, a imunidade natural e, admito, a relativa eficácia das vacinas na prevenção de doenças graves, estaríamos ainda em Abril de 2020. Cheiinhos de medo, muitos cidadãos permanecem em Abril de 2020. Inchados com prepotência, muitos responsáveis fingem permanecer em Abril de 2020.

Não estamos em Abril de 2020. A separar-nos dessa data há um imenso cemitério, onde jazem as vítimas directas da Covid (que as “medidas” não salvaram), as vítimas de doenças graves (que a histeria condenou), incontáveis negócios (que a irresponsabilidade arruinou) e, em vala comum e decomposição avançada, as sucessivas “estratégias” dos governos para travar em vão o bicho. Dos confinamentos à abolição da venda de livros, dos jardins vedados à vacinação de criancinhas, as “estratégias” caíram uma a uma, sem um pedido de desculpas ou o reconhecimento dos erros. Descontadas certas metástases residuais, nos lugares particularmente bárbaros sobrou a máscara.

Tinha de sobrar qualquer coisa. A máscara é o derradeiro símbolo, símbolo da “pandemia” e da tentativa de respectiva perpetuação (já notaram o amalucado gozo com que alguns dizem “a pandemia ainda não acabou”?). As vacinas, que de repente dividiram a humanidade entre devotos e hereges, perderam estatuto tão depressa quanto perdem validade: a lengalenga de que a vacinação nos devolveria a uma vida normal sumiu quando sumiram as tendas de campanha. Por razões sortidas, todas deprimentes, a normalidade não era desejável. A anormalidade prosseguiu através do farrapo na cara, afinal a melhor maneira de anunciar a persistência da Covid, de legitimar os desastres anteriores e de permitir que se continuasse a invocar a “ciência”.

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Nunca a ciência, a autêntica, se vira assim pervertida e reduzida a uma palavra vazia para justificar o brutal desprezo pela realidade. Descemos a tal estádio de crendice que se um nutricionista jurar que é vegetariano, ninguém ousará reparar que ele despacha uma posta à mirandesa. O que nos impingiram ao longo destes 25 meses não tem nada de científico: é da ordem do misticismo, da feitiçaria, do pensamento mágico, do fervor religioso ou, pior, da política. Esqueçam, por favor, as conspirações: o vírus chinês constituiu apenas o pretexto ideal para governantes sem escrúpulos subjugarem de vez sociedades infantilizadas, que subitamente se descobriram mortais. Povos apavorados e dependentes tendem a conceder rédea solta ao Estado a troco de uma protecção imaginária. A máscara, um farrapinho tonto, é a bandeira dessa relação primitiva e perigosa.

Não discuto a função profiláctica da máscara, ao que constava somente destinada à protecção de terceiros. Limito-me a citar o citado dr. Fauci, a 8 de Março de 2020: “Não há motivo para usar máscara. No meio de uma epidemia, a máscara pode dar conforto, mas não protege adequadamente” (exactamente duas semanas decorridas – sempre as duas semanas –, a dra. Graça cometeu as famosas declarações acerca de as máscaras conferirem “uma falsa sensação de segurança”). Também não discuto a função profiláctica das leis que decretam a obrigatoriedade da máscara: inúmeros exemplos e comparações provam que é nula. O problema da máscara é mais fundo: se talvez não anule microorganismos, anula de certeza o portador.

Uma pessoa sem rosto, ou de rosto coberto, não é uma pessoa inteira. Não é à toa que na Antiguidade Clássica, leia-se de 2019 para trás, era impossível transpor o check-in do aeroporto com um simples boné. O rosto identifica-nos, distingue-nos, responsabiliza-nos, liga-nos ao próximo, humaniza-nos em suma. Agora que a grotesca obrigação do açaime terminou ou, em lugarejos atrasados, se atenuou, é agradável ver a satisfação dos que regressam à liberdade. E assustam-me os que lhe são indiferentes.

Claro que, como sempre deveria ter sido, cada um usa máscara (ou pendura um regador ao pescoço) se quiser. Mas os que, sem riscos particulares e após tantos abusos e fraudes, a querem usar e o proclamam com orgulho estão a exibir uma submissão que convida múltiplas desgraças, bem maiores que a Covid. Ladrões à parte, dantes só usava máscara quem estava doente. Voltou a ser o caso. “Chalupas”, parece que é o termo.