Poderia iniciar a escrita deste artigo de opinião motivado. Quisera eu. E gostaria também de promover alguma motivação a quem se propuser a lê-lo. Em todo o caso, receio que é um objetivo tremendamente audacioso. Não tanto pelo facto de desconfiar que a minha escrita o(a) vá adormecer, mas antes pela fisga que temos por aí à solta – ou quase, é só esperar mais um bocadinho; como sempre, aliás, em tudo o que “está para sair” neste país.

Ao fim de 25 anos, finalmente compreendemos a que é que se referiam os «Rio Grande» quando nos relatavam a sua proeza de trazer uma fisga no bolso de trás. Passado um quarto de século, António Costa e a sua comitiva governamental – receio que em jeito de homenagem aos prodigiosos artistas que compunham este conjunto – começaram a erguer essa mesma fisga ardilosa e dedicaram-se a encomendar uma série de apresentações em PowerPoint – razoavelmente fracas – onde podemos constatar o que não será feito a favor dos portugueses, mas antes e com toda a certeza a favor da sua reeleição.

Quando Costa enunciou uma «bazuca» – aliás, já ninguém se recorda do termo oficial e extenso: Plano de Recuperação e Resiliência –, esperávamos com tanta expectativa que saísse algo robusto quanto aguardávamos que o vidro “inquebrável” de Elon Musk não cedesse. Infelizmente, ambas as situações saíram idênticas no resultado – ainda que consubstanciadas de forma diferente.

Ora, aquilo que o Governo nos preparou foi, ao fim e ao cabo, uma receita temperada com despesas correntes estatais, apontando, essencialmente, a dita coesa “arma de guerra” a um sem número de estruturas do Estado, para substituir o investimento que não fez até então e que era de sua responsabilidade ter feito. E apontou, até, àquele [investimento] que não deve, de todo, ser feito. E isto, per si, não seria assim tão mau, caso não estivessem a retirar dinheiro que seria, sobretudo e “por direito”, para a iniciativa privada europeia – ou seja, para as empresas, no essencial.

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Quem ler até aqui a presente crónica julgará que sou contra a modernização da administração pública. Muito pelo contrário. Sou simplesmente contra um investimento excessivo numa máquina estatal a cada dia mais ineficiente e vindo este a revelar-se desproporcionado e sem colagem àquilo que são as verdadeiras necessidades da economia nacional. Vamos sonhando com um TGV enquanto a rentabilidade do Alfa Pendular ainda é medíocre. Sempre sonhamos com mais autoestradas enquanto a sua taxa de ocupação, em tempos de pré-pandemia, se fixava abaixo dos 20%. Sempre sonhamos com submarinos para, tão-somente, ir à pesca da sardinha. Por outras palavras – e porque também tenho direito a fazer homenagens, não é só o Costa –, sempre andámos (e andaremos) a correr para tentar apanhar o americano! [Em jeito de aparte: quão aborrecido ficaria Eça de Queirós, hoje, se lhe apresentassem o IMI e o AIMI do Ramalhete? Talvez a obra ficasse mais curta e a descrição da propriedade menos pródiga…]

António Costa, há umas semanas largas, gabou-se – de peito cheio – que cerca de 4.600 milhões de euros do PRR (ou seja, cerca de 28% da verba total do programa face aos valores atuais) serão direcionados às empresas – o coração e o pulmão deste país (senão também, o cérebro, os rins e o fígado). Por outras palavras, em Portugal, mais de 70% de um fundo pensado e harmonizado pelos Estados-membros europeus para relançar a economia europeia (através, essencialmente, do reforço da competitividade e da inovação das suas empresas) será canalizado para o aparelho estatal. Conclusão: temos mais investimento previsto para as entidades estatais que regulam os fundos do que para as próprias empresas que necessitam (mais do que nunca) desses fundos. Empresas essas, às quais o Estado, no último ano, só concedeu juros e moratórias, através do endividamento brutal com que tem inundado as entidades que se viram impedidas de faturar aos níveis de anos anteriores (se não de faturar na totalidade, por ordem de fecho governamental). E culpabilizo, de forma direta, o Estado por parte significativa deste endividamento, porque jamais as despenalizou, sequer, de determinados impostos incomportáveis e injustos de serem pagos na fase que atravessamos.

O cenário que temos diante de nós é, portanto, repulsivo: um Estado plenipotenciário, mais nepotista que nunca e egocêntrico como sempre, a tentar compensar o reduzidíssimo investimento público dos últimos anos, resultante das suas maravilhosas cativações, que nos conduziram a um ilusório mas imponente excedente orçamental, onde a montanha pariu um rato. O que vale é que já nos fomos habituando…

Por sua vez, o que necessitamos é algo diametralmente oposto ao que sucede presentemente: sem descurar as áreas chave de todo o setor público e a sua renovação produtiva e regrada, carecemos de uma economia privada e de livre iniciativa, por forma a obtermos um país mais coeso, competitivo e inovador. Se esta tríade for dirigida aos seus cidadãos e às suas empresas, então, ironicamente, será também dirigida ao Estado de uma nação, que por força dos primeiros passará a obter mais receitas e a poder aplicá-las no reinvestimento do próprio país, caso a receita suba efetivamente do lado dos seus contribuintes. Magia? Não, é pura matemática – ciência que para quem não domina se pode tornar mágica quando bem aplicada.

As últimas previsões do FMI, além de apavorantes, deveriam pôr-nos a refletir no quão mal nos encontramos e para onde caminhamos: é previsível que o crescimento médio anual português, entre 1999 (ano de criação da moeda única) e 2026, venha a ser de 1,1% – entre todos os países da Zona Euro, seremos o terceiro que menos cresce desde a fundação do euro. E é aqui que se enquadra o país que pensa em projetos de TGV, autoestradas e submarinos, antes sequer de rentabilizar o óbvio. Aliás, uma das razões de nos encontrarmos na cauda da Europa em termos de crescimento – e de lá não vislumbrarmos saída – tem que ver com a própria execução dos fundos europeus. Se ainda não sabe, pasme-se: falamos alegremente dos fundos que virão (como o PRR e o Portugal 2030), mas cerca de metade das verbas do Portugal 2020 ainda não foram utilizadas. Chega a ser cómico, mas nem a distribuir dinheiro conseguimos ser eficientes. E quem o refere não sou apenas eu, mas também – e pasme-se novamente – o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional. O próprio governante deixou claro que só com «um enorme esforço de desburocratização» é que conseguiremos evitar os gigantescos atrasos a que o Portugal 2020 nos tem habituado.

Portugal necessita de mais dinamização. Precisa de pedir mais vezes “desculpa” e menos vezes “licença”. Carece de capacitar as empresas nacionais de maior produtividade, mais inovação e, por consequência, uma maior capacidade exportadora. Precisa de ser mais ágil, não chegando ao cúmulo, por exemplo, de «emperrar» os fundos europeus na catrefada de burocracia atual, o que conduz a atrasos ininteligíveis por parte dos organismos estatais em aprovações de projetos e em pedidos de pagamento para as empresas que chegam a atingir os 18 meses. Não é admissível que um país com o nosso potencial em termos de cidadania, educação, infraestruturas e localização caminhe para ser, dentro de pouco tempo, um dos países mais pobres e com menor crescimento de toda a Zona Euro.

Seremos o mesmo Portugal que João da Ega, alter-ego de Eça de Queirós na obra d’«Os Maias», nos caracterizou ainda em pleno século XIX? «Neste abençoado país todos os políticos têm imenso talento. A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um talento de primeira ordem! Por outro lado, a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de robustíssimos talentos! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta, portanto, este facto supracómico: um país governado com imenso talento, que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!»