Transposta a fase comum de habituação a um novo ano, estamos em boa altura para projetar o que nos esperará durante o decorrer dos próximos onze meses de um ano que dita o começo de uma década mais tecnológica, “pseudo-sustentável”, mas nem por isso mais serena.

Quando tudo parecia estar a suceder segundo um padrão de pacifismo invejável, a aniquilação do general iraniano Suleimani pelos EUA – por quem mais poderia ser? – trouxe consequências gravosas e um mês de Janeiro tumultuoso, mas de cariz semelhante àqueles meses em que os EUA decidem intervir mais do que o imprescindível no Médio Oriente. Na verdade, este conflito não se inflama no presente mês, tendo já despoletado em meados de 2018, quando a nação americana abandonou o acordo limitativo face à atividade nuclear do Irão, e intensificando as sanções que explicam, quase integralmente, a atual recessão deste país. Ora, não é por mera coincidência que a economia iraniana tem contraído, tendo terminado o ano de 2019 com um decréscimo em roda dos 10% face ao período homólogo, e ainda menos acaso ocorre no facto da exportação de crude estar em mínimos históricos. Posto isto, antevê-se que o ódio iraniano continue a aumentar, assim como as suas fortes divergências entre diferentes fações da sua população.

O ano que despertou todos estes tumultos é o mesmo que pode trazer a chave para os encerrar, uma vez que, “já” em Novembro deste ano, teremos as eleições presidenciais norte-americanas. Para além de este evento poder contribuir para o abrandamento de atitudes radicais e extremismos (tendo em conta a necessidade que Donald Trump terá em cativar o eleitor mediano, na tentativa de ser reeleito), Joe Biden assume-se como o mais provável opositor de Trump nas presidenciais de Novembro e, atendendo às últimas sondagens, se sucedessem hoje as eleições, Biden destronaria Trump.

Para 2020, espera-se um abrandamento do crescimento do PIB estado-unidense, com uma quase impercetível flutuação da taxa de desemprego. Este clima de abrandamento estável soma-se a uma solidez prevista na manutenção das taxas de juro de referência por parte do Sistema de Reserva Federal norte-americano. Tal dever-se-á a três fatores primordiais: o já descrito abrandamento do sonho americano em termos macroeconómicos, os marcantes níveis de endividamento do setor privado e, claro está, o clima de incerteza que paira nesta nação em distintos vetores.

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Mas, se por um lado os EUA atravancam a realidade de determinadas nações rivais, por outro lado também sabem atenuar as intransigências com outras, pela simples regra-base de que não se deve disparar para todos os lados ao mesmo tempo. Foi precisamente este o erro crasso que levou Hitler e tantos outros líderes prepotentes a perder a custosa supremacia alcançada. E, apesar de Trump ter tanto de obtuso quanto de prepotente, ele tem sabido gerir melhor o nível agregado de antipatia das nações que o abominam.

Assim, de forma estratégica, os EUA melhoraram a sua relação com a China e, de imediato, as bolsas animaram, com o Índice S&P500 a fechar o ano 24% acima face ao final de 2018. Caso tudo se mantenha idêntico, tal tendência trará um novo fôlego para o comércio internacional. Para lá da importância deste ponto para o panorama comercial em termos globais, a China e, claro está, as suas marcas empresariais relevantes são as que mais beneficiam com esta sucessão de acontecimentos. A atenuação da guerra comercial com os EUA revela-se uma lufada de ar fresco para esta nação oriental e, de certa forma, contrapesa a inconstância trazida pela situação política vivida na região de Hong Kong, assim como a especulação interna no que respeita ao mercado imobiliário.

Em todo o caso e apesar dos pontos que assombram a realidade chinesa, esta continua a assumir, ano após ano, crescimentos inimagináveis para qualquer economia ocidental. As primeiras projeções estimam que a China cresça em roda dos 6% year-over-year. Ainda assim, dita-nos a ponderação que se deva aguardar até finais do primeiro trimestre, fase do ano em que toma lugar a Assembleia Nacional Popular e onde serão expostas, como é habitual, as principais vigências e orientações para a forma como pensam gerir as relações externas com os seus “arqui-inimigos”.

Mais à esquerda no planisfério, o presente ano será grafado nos livros de História pelo começo de uma (nova) etapa de rutura na União Europeia, com a saída do Reino Unido da família de nações que acreditam no sonho europeísta. Tal como a data para o Brexit tem sido sucessivamente adiada, não será menos provável que, caso tal suceda, também a fase de transição para a saída se estenda para lá do expectável. Obviamente, tal evento irá impactar – irreversivelmente – as transações comerciais entre a União Europeia e o UK. Teremos de esperar pela sucessão de factos para que consigamos perceber quais serão os stakeholders mais impactados pela saída e pelo distanciamento do Reino Unido face à UE.

Ainda por terreno europeu, aguardamos por mudanças profundas em termos políticos na Alemanha. Angela Merkel, a senhora forte (e forte senhora) da Europa que liderou a potência germânica – e a Europa? – por largos anos, já assegurou que não se irá recandidatar a um quinto mandato. À partida, ficaremos sem saber se Merkel sai com a noção de missão cumprida face ao que pretendia implementar com cunho próprio ou se irá abandonar a cena fragilizada por um período em que a maior potência europeia atravessa uma recessão técnica. Qualquer recessão traz as suas consequências gravosas e alguns analistas acreditam que o setor automóvel alemão passará por momentos delicados.

Como não há fumo sem fogo, o Estado alemão, no intento de se tentar esquivar a uma crise sistémica, já tem em curso um sem número de estímulos fiscais, que conduzirá – espera-se – a um investimento superior a 40 mil milhões de euros (um valor, ainda assim, que muitos consideram parco para fazer face às adversidades esperadas). Na sequência deste mood inóspito, alguns partidos políticos mais extremados têm ganho força.

Em todo o caso, espera-se um ano de crescimento face ao ano transato, sobretudo devido a três vetores: uma recuperação do setor industrial alemão em termos agregados, a esperada redução de incerteza em torno do tema do Brexit e, por fim, as externalidades positivas oriundas de alguns benefícios fiscais na Alemanha.

Este ano será igualmente importante para as “Gretas” que se espalham por diferentes regiões do velho continente: a Comissão Europeia irá apresentar um conjunto de medidas ambiciosas, por forma que, em 2050, se atinja o tão expectável objetivo de neutralidade climática – ou, por outras palavras, a não emissão de gases de efeito estufa até meados do século. Para a perseguição deste objetivo, o futuro desenhar-se-á, daqui em diante, com diretrizes que assentarão em metas fortemente ecológicas, de mobilidade sustentável e com a economia circular como pano de fundo. Posto isto, estou em crer que os fundos europeus de apoio ao investimento deverão (já na entrada do novo programa comunitário, o “2030”) versar, igualmente, sobre questões “amigas do ambiente”, com foco na descarbonização e na implementação de soluções inteligentes e não poluentes. Esta será, portanto, uma década de alta lucratividade para empresas que se especializem em soluções de eficiência energética e domótica industrial. À semelhança de Sócrates, quem contar com uma mãe com uns milhões a mais no cofre já sabe em quais cavalos apostar. [Ora essa!]