Os Jogos Olímpicos de Tóquio vieram confirmar duas teses importantes: o desporto continua a ser uma forma de guerra no tabuleiro geopolítico mundial e não deixaremos de assistir a fugas de desportistas, à semelhança da atleta bielorrussa Kristina Timanovskaya, enquanto existirem regimes autoritários e ditatoriais.

Timanovskaya não se encontrava na lista dos cerca de mil atletas bielorrussos que, no ano passado, dirigiram uma carta ao ditador Alexandre Lukachenko a exigir a realização de eleições presidenciais livres e transparentes, depois do escrutínio sujo que lhe deu 80% dos votos em Agosto do ano passado.

Esta é uma das razões que leva a pensar que Kristina Timanovskaya não tencionava utilizar os Jogos Olímpicos para provocar um escândalo político e não regressar à Bielorrússia.

Outra razão é o teor da sua mensagem no Instagram quando soube por terceiros, e não pela via oficial, que tinha de participar na estafeta 4×400 metros para substituir uma colega que fora afastada da prova por desrespeitar as regras de controlo de doping. Ela utiliza palavras duras para criticar a decisão dos representantes do Comité Olímpico da Bielorrússia em Tóquio: “Fizeram porcaria e decidiram emendar à bruta”, “porque é que devemos responder pelas asneiras deles?”.

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Claramente, Timanovskaya não esperava que as suas críticas provocassem uma tempestade tão grande no Comité Olímpico da Bielorrússia, dirigido (imaginem por quem?) por Victor Lukachenko, um dos filhos do ditador.

A situação deteriorou-se quando a atleta se recusou a pedir desculpa publicamente aos dirigentes bielorrussos e foi retirada da prova de atletismo de 200 metros “devido ao seu estado emocional e psicológico” e obrigada a regressar à Bielorrússia. No aeroporto, Kristina tomou a decisão final depois de uma conversa que teve com o treinador de atletismo da selecção bielorrussa e com o vice-director do Centro de Preparação Olímpica da Bielorrússia. O conteúdo da conversa com a atleta foi gravado e publicado nas redes sociais e as declarações dos funcionários bielorrussos são uma mistura de ameaças e promessas de que ela não seria castigada e até poderia continuar a carreira se obedecesse às ordens.

Kristina Timanovskaya defendeu-se da acusação de que o seu estado emocional e psicológico não lhe permitia continuar nos Jogos, sublinhando que isso era “mentira” e que no mesmo estado vencera nas Universíadas de 2019.

A pressão dos funcionários bielorrussos levou a atleta a não regressar ao seu país e a refugiar-se na vizinha Polónia, onde se encontram milhares de pessoas que fugiram à onda de repressão desencadeada contra a oposição.

Os órgãos de informação bielorrussos e russos desencadearam imediatamente uma forte campanha contra Timanovskaya, acusando-a de “traidora” e “mentirosa”. A agência Ria-Novosti, porta-voz do Kremlin, dá a entender que ela traiu as autoridades polacas ao decidir voar de Tóquio para Viena, e não para Varsóvia, embora isso tenha sido feito para garantir a segurança da atleta.

Este não foi o último caso de fuga. Iana Maksimova, atleta de pentatlo que treina na Alemanha, já anunciou que não regressará à Bielorrússia por temer pela vida.

Entretanto, na quarta-feira, em Minsk, Maria Kolesnikova, uma das figuras mais carismáticas do movimento de protesto contra Lukachenko, começou a ser julgada e poderá ter de cumprir uma pesada pena de prisão. Nas cadeias bielorrussas encontram-se centenas de outros opositores.

Lukachenko sabe que está protegido pelo “czar” russo Vladimir Putin, imita-o nos métodos repressivos e desafia a União Europeia.

Desta vez respondeu às sanções transformando o seu país num corredor de passagem de imigrantes ilegais do Afeganistão, Iraque, etc. para a Lituânia, provocando uma crise neste país do Báltico. As autoridades lituanas acreditaram na palavra dos dirigentes bielorrussos de que não permitiriam a passagem de imigrantes ilegais através do seu território e não tomaram medidas para proteger as fronteiras. Agora montam apressadamente uma barreira de arame farpado na fronteira com a Bielorrússia.

Mais uma falha grosseira na política externa da União Europeia, que acreditou conseguir trazer o ditador Lukachenko para o seu lado na disputa com a Rússia. É caso para repetir: com os ditadores não se brinca.