Lisboa foi a segunda cidade europeia com maior crescimento de multimilionários (7%), no ano terminado em Junho de 2022, de acordo com o relatório da consultora imobiliária, Henley & Partners. A liderança cabe a Lugano, Suíça, com um aumento de 8%. Portugal faz assim parte do exclusivo grupo de três países europeus – com a Suíça e a França – com um elevado ritmo de atração de milionários, definidos aqui como pessoas com ativos para investir de montante superior a um milhão de dólares.

Ao mesmo tempo ficamos a saber que a taxa de risco de pobreza subiu de 16,2% para 18,4% em 2020, de acordo com o Balanço Social de 2022 realizado por Susana Peralta, Bruno Carvalho e Miguel Fonseca. Portugal é o oitavo país da União Europeia com maior taxa de risco de pobreza ou exclusão social. E a taxa de pobreza seria de 43,5% sem transferências sociais.

Conta-se que após o 25 de Abril de 1974, Olofe Palme, então primeiro-ministro sueco, terá dito a quem afirmou que queria acabar com os ricos em Portugal que eles, na Suécia, queriam era acabar com os pobres, ou a pobreza. Esta frase é em geral usada para se criticar quem alerta para este problema do agravamento das desigualdades, com o acentuado crescimento de multimilionários num país pobre como Portugal.

Um passeio pela Av. Da Liberdade em Lisboa ilustra bem como a cidade mudou e tem agora um poder de compra que não tinha no passado. Nada disso seria um problema se o país se tivesse aproximado do rendimento médio dos países mais ricos da União Europeia, se as desigualdades se tivessem esbatido, se a diferença entre quem ganha menos e mais tivesse diminuído. Não passámos a ser a Suíça, ou mesmo a França. Estamos mais próximos dos países menos desenvolvidos que aparecem muito bem colocados nestes “top’s” de milionários.

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Aumentar o número de ricos e o número de pobres não é acabar com a pobreza, é acabar com a classe média e agravar as desigualdades. Ver Portugal aparecer num top de multimilionários quando, ao mesmo tempo, somos confrontados com mais pessoas em risco de pobreza, quando vemos que o crescimento do país se faz à custa do sector do turismo, um dos que piores salários paga, e há imigrantes em quantidade crescente, a viverem em condições lamentáveis, revela um país que nos devia preocupar a todos.

Não é um problema que se resolva facilmente, este agravamento das desigualdades, mas pode fazer-se alguma coisa para que não se agrave. E uma das medidas passa seguramente por acabar com o paraíso fiscal em que Portugal se transformou, para pensionistas ricos, supostos nómadas digitais ou para quem quer comprar o passaporte europeu. Certamente que contribuía para sairmos do ‘ranking’ visível de multimilionários.

E não, isso não é acabar com os ricos. Reduzir a atração do país para os super-ricos, que basicamente fogem de pagar impostos nos seus países, é libertar recursos para as outras classes de rendimento.

No caso da habitação é frequente desvalorizar-se o efeito dos vistos ‘gold’ e do estatuto de não residente (leia-se pagar menos impostos em Portugal do que os portugueses e do que no seu país de origem) na subida dos preços e respetiva escassez de oferta para a classe média. Mas basta pensar que, num país em que se reduziu a oferta de construção na sequência da crise de 2011, as construtoras do mercado têm um fortíssimo incentivo para deslocarem os seus recursos para a construção de imóveis de gama alta, onde há uma elevada procura e margens mais altas do que nas casas para a classe média.

Não precisamos de multimilionários a investir em imobiliário, precisamos de uma nova Autoeuropa, precisamos de aproveitar as oportunidades que estão a ser abertas pelo reajustamento da globalização e pela estratégia europeia de se tornar menos dependente em alguns sectores essenciais e que fazem regressar alguma indústria para a Europa. O investimento imobiliário cria rendimento de curto prazo e pode gerar problemas a prazo. O investimento em empresas, e especialmente na indústria, cria emprego a médio e longo prazo e liberta regiões do risco de desemprego, como aconteceu com a península de Setúbal.

Lisboa já não é para pobres e o país caminha no mesmo sentido. Ninguém quer acabar com os ricos, mas também ninguém quer, certamente, que os ricos nos transformem a todos em pobres.