Nesta segunda crónica estival sobre livros para férias, a minha enfática escolha consiste em re-visitar a marcante obra em defesa da ideia clássica de Universidade, publicada em 1987 por Allan Bloom: The Closing of the American Mind: How Higher Education Has Failed Democracy and Impoverished the Souls of Today’s Students (1987), com Prefácio de Saul Bellow.
A obra foi publicada simultaneamente em França pela editora Julliard, sob o título L’Âme Désarmée: Essai sur le déclin de la culture générale. [] E teve um inesperado impacto internacional, com traduções em inúmeras línguas — incluindo em Portugal, pela Europa-América, com o título, algo discutível, A Cultura Inculta: Ensaio sobre o declínio da cultura geral.
Não é possível resumir em poucas linhas a profundidade e eloquência do argumento de Bloom. A primeira parte do livro descreve as tendências intelectuais que Bloom via naquela época em ascensão na Academia norte-americana — e que ele receava poderem vir a ameaçar a Ideia de Universidade. Esta ameaça decorria de um autoritarismo censório, paradoxalmente fundado num relativismo extremo.
É simplesmente impressionante como as tendências que Bloom detectava há 30 anos como emergentes se tornaram hoje dominantes — na destruição de estátuas, na censura e na perseguição contra vozes dissidentes, na tentativa de imposição de uma ortodoxia esquerdista doentia nos programas académicos.
A segunda parte do livro trata sobretudo das origens intelectuais do autoritarismo relativista. Tendo sido aluno de Leo Strauss, Bloom retoma o alerta de Strauss sobre a explosiva combinação entre Marx e Nietzsche. Volta a ser uma tese incrivelmente actual.
Os novos censores são ainda discípulos da certeza marxista nas suas próprias crenças; mas estas crenças já não são as do proletariado como classe eleita pela história para anunciar a nova era. Da certeza absoluta no ponto de vista (alegadamente) racionalista da classe operária, a contracultura passou a denunciar o que designa por “ilusão da racionalidade”. E adoptou o niilismo de Nietzsche, passando a pregar a equivalência e arbitrariedade de todos os pontos de vista — com a notável excepção da infalibilidade dos seus próprios pontos de vista, que infalivelmente declaram a arbitrariedade de todos os outros.
Raymond Aron — que foi grande amigo de Allan Bloom — tinha classificado em 1955 a vulgata marxista como “ópio dos intelectuais”. Karl Popper, em A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, (1945), tinha denunciado o marxismo como forma exacerbada, de certa maneira primitiva, de “racionalismo dogmático”. E alertara para que o racionalismo dogmático do marxismo tenderia a dar lugar a um irracionalismo niilista de inspiração nietzschiana, à medida que os dogmas marxistas fossem gradualmente confrontados com a refutação pelos factos. Por outras palavras, a ressaca da crença dogmática na chamada “Razão” daria lugar, entre os intelectuais marxistas, à revolta contra a razão crítica (isto é, falibilista e não dogmática) e ao desespero niilista.
Em suma, Karl Popper e Raymond Aron (entre certamente outros) tinham antecipado uma possível simbiose entre Marx e Nietzsche. Mas foi Allan Bloom, inspirado em Leo Strauss, quem denunciou esta paradoxal simbiose como origem do novo autoritarismo niilista que ameaça hoje as nossas universidades e as nossas democracias liberais.
Post-Scriptum sobre o inenarrável manifesto dos 67: Sob o título “Contra a higienização académica do racismo e fascismo do Chega”, 67 académicos subscreveram e publicaram recentemente um claro apelo à censura de uma obra académica publicada pelo professor e investigador do ISCTE, Riccardo Marchi. Como já escreveram neste jornal Bruno Cardoso Reis e Rui Ramos e, no Público, António Barreto, trata-se de um inadmissível ataque à liberdade de expressão — a qual, como recordou Allan Bloom, é um alicerce crucial da Ideia de Universidade e da democracia liberal.