Este ano de 2024 é, como tenho aqui recordado, um ano recorde do ponto de vista eleitoral. Estão previstas mais de 60 eleições, várias delas em países com grande peso global como a Rússia, Índia, África do Sul ou EUA. E ainda se somaram eleições antecipadas de Portugal até ao Irão. Esta semana temos eleições legislativas na Grã-Bretanha a 4 de julho. A 5 de julho teremos a segunda volta das eleições presidenciais no Irão. E a 7 de julho teremos a segunda volta das eleições legislativas antecipadas em França.

Tanta França, tão pouca Grã-Bretanha?

As eleições britânicas são muito previsíveis e, por isso, pouco interessantes. Com uma vantagem média de 18% nas sondagens a vitória dos Trabalhistas é dada como certo até pelos próprios líderes Conservadores. Podem mesmo alcançar uma vitória histórica. Há estimativas de que poderão ter uma maioria de perto de 200 deputados. Veremos se se concretiza, nesse caso seria a maioria parlamentar mais expressiva desde as eleições britânicas de 1832. E não são só o resultado que é previsível. O líder Trabalhista e futuro primeiro-ministro Sir Keir Starmer também é muito previsível, até mais do que os Tories que nunca conseguiram recuperar a unidade interna desde o Brexit. Na política externa Starmer promete continuidade nas principais prioridades, por exemplo no apoio à Ucrânia. Promete até maior aposta na diplomacia e no compromisso, nomeadamente nas relações com a União Europeia. Por fim, a Grã-Bretanha pesa hoje muito menos, sobretudo na Europa, por causa da saída da União Europeia.

Na França, pelo contrário, Macron surpreendeu até o seu núcleo duro ao dissolver o parlamento, e o resultado das eleições está longe de estar garantido. É assim até por causa do complexo sistema de eleições legislativas a duas voltas – mais uma exceção gálica. Parece provável que ganhe o partido da família Le Pen – agora chama-se União Nacional, mas não com maioria absoluta. Mesmo uma vitória por maioria relativa poderá abrir a porta a que, a primeira vez desde 1945, esta direita identitária tenha a possibilidade governar em França. E já se verificou um crescimento histórico nos seus votantes para mais do dobro face a anos anteriores.

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Ora a França é o maior país da UE em território, o segundo maior em população e em tamanho da economia. Apesar de problemas de crescimento anémico e desigual, tem três das cinco maiores empresas europeias em valor bolsista. O Presidente Macron continuará a ter poderes importantes no campo externo e da defesa, mas será o novo governo que controlará o orçamento. Macron estará no Conselho Europeu, mas serão os novos ministros a estar nos conselhos setoriais da União Europeia. Fará muita diferença se o governo for minoritário ou maioritário bem como a evolução da impopularidade de Macron para a margem de manobra deste último e para o impacto do voto dos franceses no resto da Europa, em particular no funcionamento da UE. É verdade que o partido dos Le Pen recuou muito tentando des-radicalizar o seu programa. Há anos atrás Marine Le Pen defendia a saída do euro e da NATO. Hoje não se atreve a tanto. Mas mudou de ideias ou disfarçou-as até chegar ao poder? O risco de caos interno e paralisia externa da França é grande.

Respeitar os votantes nos EUA e não só

Numa democracia na tradição ocidental – europeia e norte-americana – ganhar eleições não é suposto dar ao eleito um poder total. É por isso que é tão chocante a decisão desta semana da maioria republicana de juízes do Supremo Tribunal dos EUA, que transforma o Presidente dos EUA numa espécie de Rei Absoluto, acima de qualquer efetivo escrutínio judicial ou parlamentar. Devemos respeitar os eleitores, claro. Mas isso significa que devemos respeitar os direitos e as liberdades de todos os votantes. Inclusive o seu direito de mudarem de ideias e de voto. Bem como de, entre eleições, todos poderem criticar livremente os decisores políticos. Só assim se poderá garantir que ninguém é obrigado a mudar de pontos de vista por estar em minoria, que haverá novas eleições livres e justas, e que a oposição poderá pacificamente chegar ao poder.

Foi este princípio fundamental da alternância pacífica mediante eleições que Donald Trump desafiou, a 6 de janeiro de 2021, pela primeira vez na história dos EUA, desde a Guerra Civil de 1861. É por isso que a reeleição de Trump, em novembro de 2024, um cenário cada vez mais possível, é um risco para a segurança da democracia pluralista nos EUA e não só. Os EUA não são um país qualquer, são a mais antiga e poderosa democracia constitucional no Mundo. Os EUA são também a melhor garantia de segurança das democracias pluralistas na Europa. É isso que torna trágico que o Presidente Biden tenha insistido em recandidatar-se, e tenha falhado a sua prova de vida política no primeiro debate presidencial. É isso que torna grave que os responsáveis do Partido Democrático não tenham percebido o risco que esta recandidatura representa e continuem a insistir nela.

Votar para quê no Irão?

Os fundamentalistas islâmicos são grandes defensores da democracia para chegarem ao poder: um homem, um voto, mas uma vez! Depois de tomarem o poder fazem tudo para impedir a alternância democrática. O Irão é um bom exemplo disso. É um regime híbrido, mas em que a autocracia teocrática predomina sobre a democracia eleitoral. Os iranianos podem votar, mas nos candidatos que o poder teocrático permite. No caso destas eleições presidenciais iranianas, como em várias outras, os verdadeiros opositores do regime não foram autorizados a concorrer. Apenas um moderado, o antigo ministro da saúde, Masud Peseshkian foi autorizado a concorrer. O resultado foi uma abstenção recorde nesta eleição: menos de 40% dos iranianos se deram ao trabalho de votar, cansados de fingirem que os deixam escolher. Veremos se o regime permite que o candidato moderado vença na segunda volta, mas pouco importará, pois pouco poderá mudar. Quem realmente manda no país, desde a revolução de 1979, é o Guia Supremo, foi assim com o aiatola Khomeini, até morrer em 1989, e, desde aí, com o aiatola Khamenei. É este último quem comanda as Forças Armadas e de Segurança, determina a repressão interna e a política externa. A rejeição do regime pela maioria dos iranianos é já a grande certeza destas eleições. Infelizmente quem manda no Irão não são as urnas dos eleitores, são as armas dos aiatolas.

A luta continua?

Mais eleições não querem, portanto, dizer mais democracia no Mundo. As eleições são fundamentais, se permitirem uma real escolha. Recordo que o regime autoritário de Salazar levava a cabo eleições, em que a oposição nunca teve a possibilidade de vencer. Os totalitários Estaline ou Kim Jong Un também organizam eleições que ganham sempre. É bom sinal que por todo o Mundo se dê como certo que a legitimidade política deve vir da escolha popular, mas na verdade isso está longe de ser o caso. Uma democracia pluralista implica muito mais direitos de expressão e organização, muito mais limitações ao poder dos governantes do que simples eleições.

Como tenho aqui recordado, organizações como a Freedom House que acompanham há décadas a evolução dos regimes democráticos e autoritários pelo Mundo, têm vindo a chamar a atenção para o recuo dos regimes de plena liberdade. De acordo com o seu último relatório foi assim nos últimos 18 anos. Uma grande questão da próxima década será sabe se esta tendência de regressão autoritária continua, inclusive no espaço euro-atlântico, da França aos EUA. E se no resto do Mundo, grandes democracias do Sul Global, da Índia até ao Brasil e a África do Sul, resistem às tendências iliberais. As democracias liberais e pluralistas são por natureza regimes frágeis. É impossível forçar as pessoas a serem livres. É tentador para muitos o conforto das grandes certezas, dos grandes líderes sobretudo em tempos de grandes mudanças, de crises e de conflitos.