Olhamos para a política portuguesa, e recordamos cada vez mais a magnífica frase de Auden, “a low dishonest decade” (uma década desonesta e reles). Em Portugal, estamos a meio dela. Nunca a política esteve tão cheia de truques baixos, de oportunismos, de gestos a actuações populistas, de infantilismo, e de fingimentos. Marcelo nada fez para combater a degradação da nossa democracia. Veja-se o exemplo mais recente. Ao mesmo tempo que nega a necessidade de discutir as eleições presidenciais, o Presidente não pensa noutra coisa. Numa semana, combina o apoio do PM. E na seguinte vai a Ovar pedir o apoio a Rui Rio. Os seja, no mundo de Marcelo, ele deve fazer campanha todos os dias. Os restantes dos portugueses devem estar calados e falar sobre tudo menos sobre as presidenciais. Marcelo quer chegar a Belém, desvalorizando as eleições e monopolizando a campanha. Não me parece uma atitude muito democrática.

Como se sabe, há muito gente de direita que está desiludida com Marcelo (eu não estou porque nunca tive qualquer ilusão). Por isso, há quem discuta uma terceira candidatura presidencial no espaço da direita, ou não-socialista. Essa candidatura seria muito crítica do primeiro mandato de Marcelo, mas não seria anti-Marcelo. Esta distinção é importante. As candidaturas de Marisa Matias, do PCP e, possivelmente, de Ana Gomes são anti-Marcelo no sentido em que pretendem a derrota de Marcelo. Não querem uma pessoa de direita em Belém. Ou outros candidatos de direita, André Ventura e qualquer outro, preferem Marcelo a um socialista em Belém. Se houvesse uma segunda volta (dificilmente haverá), os seus eleitores votariam em Marcelo contra qualquer candidato de esquerda.

As eleições presidenciais não servem apenas para eleger um Presidente. São igualmente um momento importante para debates políticos, para propostas reformistas e para clarificações doutrinais. A direita precisa de debater ideias e novas prioridades. Sobretudo precisa de falar para o país. Os portugueses precisam de saber que a direita tem coisas importantes para dizer a favor das suas liberdades, políticas e sociais, e da sua prosperidade.  Como Marcelo não tem qualquer interesse em debater ideias, a direita precisa que outros o façam. Os programas políticos, que permitirão mobilizar o eleitorado no futuro, são construídos em campanhas quando se fala para os portugueses e eles estão dispostos a ouvir.

Os temas centrais na campanha presidencial, no fim do ano, serão a recuperação económica, o papel do Estado da economia, a carga fiscal para combater a crise, e o papel da iniciativa privada da economia nacional. Os candidatos das esquerdas vão fazer campanha a favor das nacionalizações, com ataques aos sectores privados e a defender o aumento da carga fiscal para financiar um Estado maior.

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Marcelo não vai atacar as esquerdas, para defender a economia de mercado, a iniciativa privada, menos impostos, e avisar contra os perigos de um Estado interventivo. Nunca o fez, não é agora que o vai fazer. Se não houver mais um candidato de direita, a campanha será entre os candidatos de esquerda a defenderem uma economia socialista e estatizante. E Marcelo a falar da Covid-19, e de afectos. Serão meses com a esquerda a defender o socialismo e a atacar o sector privado, com a direita calada. Não imaginam os danos intelectuais e políticos que uma campanha destas provoca à direita.

Marcelo anda a dizer que precisa de um grande resultado para ter força contra a esquerda. Pergunto, incrédulo: há quem acredite nisso? Há quem acredite que Marcelo Rebelo de Sousa vai combater o governo socialista a partir do próximo ano? Eu não acredito. Podemos acusar António Costa de muita coisa, mas não de falta de esperteza política. Se Costa achasse que Marcelo lhe faria a vida difícil, seria o primeiro a apoiar a sua recandidatura? É muito diferente aceitar com resignação uma nova vitória de Marcelo ou apoiar a sua reeleição com entusiasmo. Foi o que fez Costa. Sabe muito bem que Marcelo nunca o incomodará.

Os últimos cinco anos de Marcelo dão razão a Costa. Onde estava Marcelo quando a geringonça e as esquerdas atacavam todos os dias o governo de Passos Coelho por ter tirado o país da falência entre 2011 e 2015? Estava calado ou em serenatas à chuva com António Costa. Foi necessário Passos Coelho ter abandonado a liderança do PSD, para Marcelo dizer uma palavras simpáticas sobre o seu governo. Marcelo decidiu ser o anti-Passos, cometendo uma enorme injustiça contra o enorme esforço do seu partido de sempre subjugado à herança socialista da falência do Estado e à troika vinda a pedido do governo de Sócrates. Para ser popular, Marcelo permitiu que o PS de Costa reescrevesse a história recente, prejudicando o partido que liderou no passado, e o CDS, e ignorando muito do eleitorado que lhe deu Belém.

Marcelo nada fez para impedir a substituição da anterior Procuradora Geral da República, permitindo assim que nunca se inicie o julgamento de Sócrates enquanto Costa for PM. O que faz Marcelo quando as esquerdas atacam as grandes empresas, a saúde privada, os bancos? Nada. O que fez Marcelo quando o governo decidiu, a semana passada, nacionalizar quase toda a comunicação social portuguesa? Nada. Pelo contrário, apoiou a medida que fará da imprensa portuguesa uma instrumento do poder político. Mais uma vez, ignorou a tradição da direita, do PSD e do CDS, que sempre lutou contra a intervenção do Estado na comunicação social e pela liberdade de imprensa. Mais uma vez, Marcelo não esteve à altura do passado da direita democrática, a grande defensora da liberdade em Portugal.

Mesmo que esteja enganado, e o Presidente acabe por se transformar num adversário do governo socialista no futuro, desconfio que uma manifestação de força por parte de outros candidatos de direita dará mais conforto a uma ousadia futura por parte de Marcelo. Num ponto temos que ser justos com o Presidente. A direita partidária nos últimos anos não mereceu grande ajuda.

O maior risco das eleições presidenciais é o discurso extremista das esquerdas encontrar uma direita calada sem defender as suas ideias contra um socialismo cada vez mais radical. Marcelo nada dirá. Tem sido muito feliz com a coligação das esquerdas que está, no silêncio dos gabinetes, a enfraquecer a democracia pluralista, a economia privada, e a reforçar o socialismo, enquanto Marcelo tira selfies contente e feliz nas ruas de Portugal, como um adolescente enamorado de si próprio. Marcelo tem sido o Presidente com que Costa sonhou. Não admira que tivesse sido tão rápido a apoiá-lo.