O PSD, pela voz do seu líder em entrevista ao Porto Canal, justificou a sua proposta de restringir os debates parlamentares com o Primeiro-Ministro, actualmente quinzenais. As razões para essa proposta foram desenvolvidas pelo próprio Rui Rio aqui e podem ser resumidas em três ideias-chave. Primeiro, ele acredita que estes debates são um “circo”, uma “gritaria” em busca de “títulos para o jornal do dia seguinte” e, portanto, têm pouca utilidade de escrutínio. Segundo, Rio argumenta que o Governo precisa de tempo para trabalhar, não devendo desperdiçá-lo em debates parlamentares com duvidoso interesse. Terceiro, o líder do PSD coloca-se ao lado do interesse nacional, na via estreita que poucos seguem, salientando que, enquanto líder da oposição, proporia algo muito diferente se estivesse a ser guiado pelos seus interesses pessoais e políticos.

Muito haveria a comentar sobre esta argumentação de Rui Rio. Por exemplo, realçar que manifesta uma visão inquietantemente crítica da democracia parlamentar, desvalorizando os trabalhos parlamentares como “circo”. Ou assinalar que, em geral, Rui Rio não aprecia especialmente o escrutínio da tomada de decisão executiva. Ou ainda, lembrar que são pouquíssimas as observações ou propostas de Rui Rio que estejam desalinhadas com os interesses do Governo e que isso, por definição, não é liderar uma oposição — aliás, há dentro do PS críticos mais assumidos ao Governo do que o é o próprio líder do PSD. Ou, por fim, sublinhar que justificar posições insólitas com a irreverência de quem persegue “muitas vezes sozinho” o interesse nacional está no limiar do populismo.

Mas sendo todos esses pontos equivalentes a chover no molhado, talvez a forma mais construtiva de abordar o tema consista em comparar internacionalmente como os parlamentos nacionais escrutinam os seus primeiros-ministros, de modo a enquadrar o caso português. E o que estes dados comparados mostram é que, sendo aprovada a proposta do PSD já submetida na Assembleia da República, Portugal passará a ter um dos sistemas parlamentares com menor rotina de escrutínio do Governo e do Primeiro-Ministro. É obra.

A comparação internacional dos debates parlamentares com o primeiro-ministro foi motivo de alguma investigação e o estado actual dessa comparação pode, por exemplo, ser aqui consultado de forma resumida. A constatação imediata é que a larga maioria dos países apenas tem um instrumento de escrutínio parlamentar no qual participa o primeiro-ministro. Em 34 países observados, apenas 5 têm mais do que um instrumento, com destaque para o Reino Unido (quatro instrumentos) e a Irlanda (três instrumentos). Ou seja, Portugal, França, Espanha, Bélgica, Dinamarca, Suécia e muitos outros países apenas têm um instrumento parlamentar para questionar o primeiro-ministro em plenário. Na sua natureza, o aspecto que os distingue é que esse debate parlamentar em plenário pode ser individualizado (i.e. dirigido ao primeiro-ministro especificamente) ou colectivo (i.e. dirigido ao governo, podendo o primeiro-ministro não estar presente em cada uma das sessões).

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A frequência (diária, semanal, mensal) com que esse instrumento se aplica é o principal factor diferenciador da análise. Nos países com questões em plenário individualizadas, como Portugal, a maior parte optou por sessões semanais — Irlanda, Reino Unido, República Checa e Dinamarca. Assim, nestes países, o primeiro-ministro tem de ir forçosamente uma vez por semana ao parlamento. Portugal adoptou, por enquanto, uma frequência quinzenal. No caso da Roménia, essa rotina é mensal, enquanto em Israel é apenas anual.

Nos países com instrumentos de escrutínio colectivos, há uns que obrigam sempre à presença dos primeiros-ministros e outros que são mais flexíveis. Em países anglófilos, como Austrália e Canadá, onde há maior tradição de escrutínio parlamentar, estas sessões são diárias e de curta duração, e a presença dos primeiros-ministros é solicitada (e habitual), sendo escusada se houver incompatibilidades de agenda. A regra, contudo, é que as sessões colectivas tenham uma frequência semanal, embora a participação do primeiro-ministro possa ser apenas mensal — é, por exemplo, o que sucede na Suécia. Ou seja, o escrutínio ao governo é muito regular, mesmo que nem sempre o primeiro-ministro esteja presente.

Como acima referi, estes dados comparados mostram que o escrutínio parlamentar do governo é geralmente semanal ou quinzenal, mesmo que nem sempre com o primeiro-ministro presente (no mínimo, mensalmente vai responder às questões dos deputados). E assim, se a proposta do PSD for aprovada, Portugal destacar-se-á por ser um dos países com menos escrutínio. Primeiro, porque o Primeiro-Ministro terá, em média, menos do que uma presença mensal ao longo da sessão legislativa (apenas quatro debates específicos no ano — conferir artigo 224.º da proposta). Segundo, porque o escrutínio colectivo ao Governo, através da presença dos seus ministros em plenário, será também limitado — outros quatro debates específicos mas com restrições na escolha dos ministros, não podendo repetir o mesmo ministro em sessões consecutivas (conferir artigo 225.º da proposta). Ou seja, estes debates sectoriais não compensarão, de forma alguma, a redução de presenças do Primeiro-Ministro e, no global, diluirão fortemente o escrutínio parlamentar e público/ mediático das decisões do Governo.

Os dados são o que são. Rui Rio pode perfeitamente defender uma posição que contraria as tendências internacionais, incluindo as de democracias muito mais maduras e institucionais do que a nossa. Mas não pode alegar que a sua proposta dignifica o Parlamento. Pelo contrário, minora criticamente a sua importância. Ninguém nega que os debates quinzenais têm as suas imperfeições, havendo espaço e potencial para melhorar o escrutínio parlamentar. Mas ao reduzir deste modo a frequência do escrutínio parlamentar, o PSD está, como mostram os dados comparados, a colocar o parlamento português entre aqueles que, internacionalmente, menos escrutinam o seu governo e o seu primeiro-ministro. Isto não deveria ser motivo de orgulho, porque representa um enfraquecimento da democracia portuguesa e da instituição parlamentar.