O episódio da viagem de António Costa a Budapeste, para assistir a um jogo de futebol ao lado de Viktor Orbán (no dia do seu aniversário) e sem registo na sua agenda pública, leva-me a três conclusões. Duas delas estão no artigo de João Marques de Almeida. Primeiro, a deslocação a Budapeste expõe a estratégia do primeiro-ministro para sua candidatura à Presidência do Conselho Europeu, que precisa de apoios como o de Orbán (e da direita populista), aqui enquanto aliados contra o Partido Popular Europeu na distribuição de lugares de relevo nas instituições europeias. Segundo, confirma António Costa como um político sem convicções, construindo alianças e tomando decisões de forma oportunista e aparentemente contraditória nos valores políticos, em função da sua conveniência — no espaço de 10 dias, António Costa investiu na sua relação com um político populista que assume explicitamente posições xenófobas e racistas, para depois, no Dia de Portugal, acusar manifestantes de racismo. Acrescento uma terceira conclusão: com António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, a degradação das instituições políticas tem-se feito também através de um recurso sistemático a mentiras, de modo a inviabilizar qualquer escrutínio político, tratando a população como um mero instrumento (via popularidade) para a preservação do poder.
Repare-se como um episódio aparentemente inócuo e irrelevante — a passagem de António Costa por Budapeste — produziu uma torrente de mentiras, todas desnecessárias e algumas contraditórias entre si. Primeiro, Marcelo Rebelo de Sousa desdobrou-se em explicações esdrúxulas para defender a viagem de Costa a Budapeste, declarando-se previamente informado dessa deslocação, que tinha como propósito “dar um abraço a José Mourinho” para “dar sorte” no jogo de futebol em causa. Depois, o Presidente da República corrigiu a sua própria versão: afinal, a passagem por Budapeste foi forçada por uma “escala técnica” para abastecer o avião da Força Aérea que transportava o primeiro-ministro — ou seja, António Costa teria aterrado em Budapeste por necessidade técnica. Finalmente, o próprio gabinete do Primeiro-Ministro comunicou ter havido, para além da escala técnica, um convite do Presidente da UEFA (que organizava o jogo) e que Costa se ter sentado ao lado de Orbán foi uma imposição protocolar. Problema: há dias, descobriu-se que o convite da UEFA havia sido enviado em Abril e que, pelos vistos, tudo nesta deslocação havia sido planeado.
Evidentemente contraditórias, estas versões manifestam duas características comuns: nenhuma delas diz a verdade e nenhuma delas responde à questão inicial — afinal, por que razão tal viagem não foi registada na agenda pública do primeiro-ministro? Enquanto não há resposta, coloca-se a pergunta seguinte: alguém ainda se importa que os protagonistas maiores da política portuguesa se desdobrem em esforços para ocultar, mentir e manipular a informação, evitando qualquer possibilidade de prestação de contas? Desconfio que não.
No passado, figuras como Valentim Loureiro ou Isaltino Morais popularizaram a doutrina amoral do “rouba mas faz”, que consistia na aprovação da população a políticos que, apesar de excessos ou mesmo ilegalidades, preservavam a sua popularidade e ganhavam eleições — fosse por terem obra feita nos seus concelhos, fosse por redistribuírem benesses por clientelas eleitorais. Ninguém lhes compraria um carro usado, mas milhares continuaram a votar neles. Costa e (à sua maneira) Marcelo representam uma evolução sofisticada dessa doutrina amoral: não roubam, mas mentem indiscriminadamente para preservarem o seu poder e a sua influência, sabendo que o podem fazer impunemente enquanto mantiverem as respectivas clientelas eleitorais satisfeitas. Representam o “mentem mas fazem”. E, por isso mesmo, representam também a contínua degradação das instituições políticas.