No último ano têm-se multiplicado as reportagens e notícias sobre o problema do ruído, associado à diversão noturna, em Lisboa.

De súbito todos parecem acordar agora para um problema que é de hoje, mas que foi igualmente um problema de ontem e que será seguramente um problema de amanhã. Pelo menos enquanto tivermos esta classe política e encararmos os problemas coletivos com esta leviandade e oportunismo, o que acrescenta apenas mais ruído mediático ao ruído real e excessivo que afeta o bem-estar das pessoas.

Desde que fui membro da Assembleia de Freguesia da Misericórdia, freguesia do centro histórico do concelho de Lisboa, e a cuja presidência concorri em 2017, que fico sempre muito surpreendido e expectante quando vejo uma reportagem jornalística acerca deste problema crónico. E gosto particularmente de ver a evolução da presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, ao longo do tempo.

Uma “evolução” tipicamente socialista.  Uma evolução imbrincada com a oportunidade.

Para Carla Madeira, e para os restantes autarcas socialistas de Lisboa, existe um problema de ruído (e também de lixo, de trânsito e estacionamento, de insegurança, etc…) antes e após Carlos Moedas. Quem ouvir Carla e os seus camaradas socialistas ficará certamente com a sensação de que os problemas da cidade não existiam antes de Carlos.

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São assim os velhos-novos problemas a.C. e d.C.

Compreendam-me: não quero aqui praticar a blasfémia de comparar Carlos Moedas com Cristo (longe disso), mas não deixa de ser esclarecedora a constante tentativa de crucificação de Carlos Moedas e da sua equipa por causa da subsistência dos mesmos problemas que não conseguiram resolver durante 14 anos!

Tenho particular interesse no problema do ruído, pois a par da sujidade das ruas, este problema tocou-me muito vividamente enquanto residente no Bairro Alto. Aliás o ruído excessivo foi precisamente uma das razões para eu ter decidido sair da freguesia (a Misericórdia) na qual vivi praticamente toda a minha vida. Não tenho mesmo qualquer dúvida que esta foi mesmo a minha melhor decisão e que o meu sono, e o direito ao descanso da minha família, e consequentemente tudo o que dele depende – sobretudo a nossa qualidade de vida – melhoraram consideravelmente.

Compreendo por isso muito bem as pessoas que se queixam do ruído excessivo e que moram nas áreas sujeitas à maior diversão noturna. E sempre defendi, enquanto exerci funções de autarca na Cidade, que a coexistência entre o legítimo uso residencial, e a diversão noturna legalmente exercida nessas áreas, não pode ser feita com sacrifício desmesurado dos moradores e com o desrespeito pelo direito elementar ao seu sossego.

Por isso não posso deixar de acusar o zig-zag político por parte dos autarcas socialistas acerca deste problema. E Carla Madeira, a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, é disso um claro exemplo.

Ainda há pouco mais de dois meses declarava à TSF que “estão perfeitamente identificadas as zonas da cidade que são residenciais e as que não são (…) Aqueles que querem ficar na zona do Cais do Sodré, do Bairro Alto ou da Bica (…) têm de cumprir as regras que permitem aos residentes descansar”.

No entanto esta foi a mesma presidente de junta que, entre 2017 e 2021, afirmava publicamente ser necessário existir um “equilíbrio” entre a componente comercial e residencial. Foi a mesma presidente de junta que, cada vez que eu intervinha sobre este assunto em Assembleia de Freguesia (como se poderá constatar facilmente, acedendo às atas respetivas) se esquivava sempre a responder o que estava a fazer CONCRETAMENTE sobre este problema, afirmando-se sempre impotente para o resolver.

Dizia então, entre coisas, “que se pudesse era imediatamente” referindo-se à necessidade de proibição de venda de bebidas alcoólicas para a rua, ou que “fora com muita insistência sua e com resistência  até ao último minuto que esse ponto constara no regulamento”, relativamente à alínea 2 do artigo 6º do Regulamento de Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, que determina que “ a pedido da Junta de Freguesia, ouvidas as associações representantes dos moradores e dos comerciantes, a Câmara pode definir zonas especificas onde é proibida a saída de bebidas do interior dos estabelecimentos para a rua, a partir da 01h00”.

E de facto, pouco mais, ou quase nada, solicitou ou exigiu então junto do Presidente Fernando Medina: ficou-se por constatações conformadas, por declarações de impotência, e por reivindicações burocráticas. E chutou para canto.

É que este problema do ruído excessivo, já era grave e recorrente no anterior mandato de 2017-2021, como se poderá facilmente constatar pelas declarações de alguns representantes de associações, registadas nas diversas atas da Assembleia de Freguesia: “O regulamento de horários trouxe vantagem em relação aos estabelecimentos mas trouxe mais gente para a rua, que está a fazer mais barulho(…). A nossa posição é contra o consumo e venda de álcool para a via pública.” (Luis Paisana, Presidente da Associação de Moradores da Freguesia da Misericórdia, em 26 de abril de 2018).

Por isso fico na dúvida sobre o que terá agora acontecido à senhora Presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, que a tenha motivado a desmultiplicar-se em tantas declarações públicas, tantos pronunciamentos radiofónicos e televisivos, tantos depoimentos escritos. Tanta conversa!

O que é que mudou então além da mudança da cor partidária do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa? Qual afinal a razão para exigir que se resolva num ano aquilo que o seu partido (o PS) não conseguiu fazer durante catorze?

É também por causa desta falta de seriedade política que o problema do ruído excessivo na Cidade existe e infelizmente continuará a existir.

São precisamente exemplos políticos como o desta senhora, e dos seus colegas de outras juntas da nossa Cidade, que fazem com que pessoas como eu se afastem da vida política. Mas são também exemplos destes que fazem com que eu e tantos cidadãos continuemos a acreditar em outsiders dos aparelhos partidários, como Carlos Moedas.

Temos de facto muita urgência em resolver os problemas que os socialistas não resolveram em 14 anos.

Mas temos também muita necessidade de seriedade e de verdade no debate público, para tornar Lisboa na cidade que desejamos e precisamos.

 

Lisboa, 23 de novembro de 2022