Enquanto os membros da União Europeia continuarem a reger-se por interesses puramente nacionais e mesquinhos, apenas “puxando a brasa para a sua sardinha”, o actual projecto europeu estará condenado ao fracasso e a UE jamais se transformará num polo importante e decisivo no mundo multipolar em formação.

A política dos vários membros da UE em relação à Rússia é um exemplo claro disso. Ora vejamos. A Alemanha, sem olhar aos protestos de alguns dos membros da União, nomeadamente a Polónia, e dos aliados, como a Ucrânia, deu início e apoia a construção do North Stream 2, segundo gasoduto que ligará a Rússia à Alemanha através do Mar Báltico.

Berlim pode argumentar que este novo gasoduto não irá aumentar a dependência da União Europeia em relação aos fornecimentos de gás natural, bem pelo contrário, será mais uma cadeia de ligação económica da Rússia à UE. O facto do North Stream 2 ser contestado pela Ucrânia e Polónia, que irão perder muito dinheiro com o desvio do canal de transporte dessa matéria-prima, ou pelos ambientalistas, que consideram que ele poderá ser mais uma perigosa bomba no Báltico, parece não ter tanto peso como os interesses daquele país que pretende ser o elo mais forte da integração europeia.

No entanto gostaria de recordar que esta lógica não foi seguida quando, em 2009, a Bulgária foi obrigada por Bruxelas a não aceitar a passagem pelo seu território do South Stream, gasoduto russo que começa na Ásia Central, atravessa o Mar Negro e deveria chegar à Europa Central através da Bulgária. Em 2012 Sófia renunciou também ao projecto russo-búlgaro de construção da Central Atómica de Belene na Bulgária. Aqui Bruxelas viu mais uma tentativa da Rússia se afirmar nos Balcãs, o que não é muito aconselhável.

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Mas será que é geopoliticamente menos perigoso ver passar os gasodutos pelo território da Turquia e da Alemanha do que pelo da Bulgária?

Claro que os búlgaros esperavam compensações por essas perdas, mas pouco ou nada receberam até hoje. Durante vários anos o primeiro-ministro Boyko Borissov discutiu com os dirigentes europeus o projecto de construção do Centro de Distribuição de Gás dos Balcãs na costa búlgara do Mar Negro, mas ele nunca saiu do papel. Por isso Borissov, que “virou as costas” a Moscovo em 2009 e 2012, então em nome da “solidariedade europeia, é o mesmo primeiro-ministro que, hoje, defende uma reaproximação a Moscovo, nomeadamente no que se refere à cooperação no transporte do gás e, de novo, na construção da central nuclear de Belene.

Esta política de padrões duplos em nada contribui para o reforço da União Europeia, bem pelo contrário, apenas vai ao encontro da política do Presidente russo, Vladimir Putin, de dividir para reinar. Tendo em conta os problemas cada vez mais graves num cada vez maior número de países da UE — Itália, Espanha, Hungria, Bulgária e por aí adiante –, pode-se concluir que o Kremlin não precisa de se esforçar muito para dividir a União Europeia. Isso está a ser feito pelas mãos dos próprios dirigentes europeus.

Estou cada vez mais convencido de que Vladimir Putin cometeu um crime gravíssimo ao anexar a Crimeia e o Leste da Ucrânia em 2014, e penso assim por uma importante razão: a situação no país vizinho da Rússia é tão difícil e a União Europeia presta tão pouca atenção ao que lá se passa que, se o Presidente russo não tivesse dado esse passo (que poderá ainda trazer graves problemas ao seu país e ao mundo), as relações entre Kiev e Moscovo seriam actualmente muito melhores.

Recordemos a “revolução laranja” de 2004. As chamadas forças pró-ocidentais chegaram ao poder na Ucrânia e tiveram muitos anos para porem o país em ordem; a União Europeia também teve muito tempo para reforçar laços económicos, políticos e sociais com Kiev. Mas qual foi o resultado? Por entre crises e duras discussões, os dirigentes ucranianos e russos tiveram de enveredar pelo melhoramento das relações bilaterais, o que estava a acontecer. Entre as causas dessa aproximação esteve o facto da Ucrânia não ter tido apoio da UE e dos Estados Unidos nas reformas internas e na luta contra a corrupção.

Resumindo, a União Europeia é cada vez mais um “saco de gatos”, criando assim um terreno fértil para o aparecimento de movimentos nacionalistas e populistas nos países que dela fazem parte. Putin aposta neles para a enfraquecer, mas o principal desgaste é produzido pela não solução dos problemas da UE pelos seus membros.

P.S. Nos últimos meses, participei em várias palestras universitárias sobre o desconhecimento pelos europeus das políticas da União Europeia e, por conseguinte, sobre o afastamento cada vez maior entre os cidadãos e Bruxelas. Coloquei e coloco apenas duas perguntas: o que faz Bruxelas para que os cidadãos europeus conheçam melhor as vantagens de estarmos na UE? Não conheço órgãos de informação próprios que façam chegar essa mensagem a todos os europeus e, além disso, no caso português, como será possível transmitir qualquer mensagem além da “crise no Sporting”?