– Olá, Tiago, andas caladinho e sem escrever nada há muito tempo. Se calhar já mudaste de opinião sobre a Covid…

Negativo. Muito pelo contrário, toda a evolução dos acontecimentos apenas reforça e confirma as minhas convicções e afirmações prévias.

– Olha lá, mas agora, com todos estes casos de Reguengos de Monsaraz, com doentes internados na enfermaria e na UCI do teu hospital, de certeza que já não vês as coisas da mesma forma, pois não?

Pois é. A questão é se estas pessoas que foram internadas e ventiladas beneficiaram de o ser. Se faz sentido ligar a um ventilador pessoas com mais de 80, mais de 85, mais de 90 e mais de 95 anos, atrasando a sua morte, inevitável, por alguns dias ou semanas, à custa de um sofrimento artificialmente prolongado. Ou se isso é, sequer, aceitável do ponto de vista ético. Se só internássemos e ventilássemos quem viesse a beneficiar dessas intervenções, teríamos muito menos doentes com Covid-19 no hospital.

– Ora, deves achar que és o único esperto nesta história! Então porque achas que internaram e ventilaram estes doentes?

Só posso especular. Mas eu diria: Política. O Lar de Reguengos pertence a uma fundação cujo presidente do Conselho de Administração e responsável máximo é o também Presidente da Câmara, eleito pelo PS. Se o seu partido fosse outro, nomeadamente à direita do PS, penso que toda esta situação teria evoluído de maneira diferente.

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– Deves estar a brincar! Achas que, se isso fosse verdade, a comunicação social não teria já agarrado essa história suculenta como um cão faz a um osso?

Pelo vistos, não. A nossa comunicação social é aquilo que é, e depende e muito das contribuições dos governantes para sobreviver.

– Achas então que estes idosos não merecem cuidados médicos? Que espécie de monstro és tu? Julgas-te Deus para decidires quem vive e quem morre?

De modo algum. Estes grandes idosos (>80 anos) merecem tudo o que lhes for benéfico e útil. Mas, neste caso e na sua grande maioria, não precisam tanto de cuidados médicos como precisam, simplesmente, de cuidados, de serem cuidados. De serem alimentados e hidratados, lavados, levantados da cama, ajudados a deambular (os que conseguem), beneficiam de serem conversados e ouvidos. Que lhes dêem a medicação correcta, na dose e frequência devida. Cuidados básicos. Porque, muitas vezes, são esses cuidados básicos que não lhes são prestados. Tanto agora, como antes da Covid. Essa deveria ser a responsabilidade do Lar, e não responsabilidade de voluntários da Cruz Vermelha nem de enfermeiros e de médicos destacados à força, incluindo com recurso a anulação de férias, retirados da prestação de cuidados aos seus utentes. Tudo isto por decisão da ARS-Alentejo (será que a ARS agiria da mesma forma se o responsável máximo do Lar fosse de outra cor política?).

Estes idosos também merecem que não lhes prolonguem a vida e o sofrimento sem um benefício claro. Ninguém quer fazer de Deus e tomar essas decisões. Mas tanto fazemos de Deus quando decidimos não ligar alguém a um ventilador, como quando o ligamos e ventilamos. Tudo são igualmente decisões.

– Então e o que dizes das histórias de pessoas muito idosas que têm Covid e conseguem sobreviver, mesmo depois de estarem ligadas muitos dias a um ventilador?

Não digo nada. Há sempre histórias excepcionais, o que não invalida que, por cada exemplo raro de alguém com mais de 80 anos que ultrapassa um internamento prolongado em cuidados intensivos, haverá muitos  e muitos mais para quem esse internamento mais não foi que um encarniçamento terapêutico, uma distanásia e um prolongar de sofrimento desnecessário. E gostaria de saber com que qualidade de vida ficaram esses raros grandes idosos com Covid que sobreviveram à ventilação. E durante quanto tempo viveram ainda.

– Mas não te preocupa, não dás importância, ao número diário de novos casos em Portugal, que não dá mostras de diminuir, e que se mantém a um nível superior aos outros países europeus, o que até os leva a desaconselhar viagens ao nosso país?

O número de doentes com Covid-19 internados e em cuidados intensivos não mudou significativamente desde o fim do confinamento. Tínhamos 813 pessoas em enfermaria e 143 em cuidados intensivos a 4 de Maio, quando desconfinámos, e esses valores são agora de 439 e 61 respectivamente. Este número diário de novos casos não parece ter qualquer consequência visível no número de pessoas com doença grave. Por isso mesmo, continuo sem saber que tipo de “infecções” são estas, se serão verdadeiramente novos casos.

– Bolas, não me vais voltar a dizer que estes novos casos não são novos casos e que são apenas “testes positivos” em pessoas que não estão sequer infectadas, pois não?

Nem é preciso ser eu a dizer isso. É própria Directora da DGS que, já por duas vezes, nas conferências de imprensa, referiu o facto dos testes positivos poderem apenas representar a presença de restos de fragmentos do vírus, sem a pessoa estar infectada ou ser infectante.

– Então achas que a definição internacional de “caso confirmado” de Covid-19 está errada? És o único iluminado de repente…

É óbvio que está errada. Como é possível definir como “caso confirmado” de Covid-19 qualquer pessoa com um teste positivo, independentemente dos seus sintomas ou contacto com infectados, perante aquilo que sempre se soube e que a própria Directora da DGS agora já assumiu: os testes positivos poderão apenas detectar fragmentos de vírus, sem a pessoa estar infectada ou ser infectante?

– Olha lá, ó iluminado, como explicas o número de novos casos que tem Portugal, ao contrário dos outros países europeus?

Simples. A nossa estratégia de “testar, testar, testar”, aconselhada até pelo Director-geral da OMS (mas não pelo Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças),

é um disparate. A maioria dos outros países não o faz, sem qualquer prejuízo aparente e com poupança evidente de custos e de falsos “novos casos”. Muitos países não testam ninguém assintomático, nem sequer testam sintomáticos com doença ligeira, que ficam em casa a aguardar a recuperação dos seus sintomas, sem necessitarem de saber se é Covid ou não, e só testam quem necessita de cuidados hospitalares.

– Só falta dizeres que o melhor era as pessoas recusarem ser testadas…

Olha que me parecia uma coisa muito boa se isso viesse a acontecer. O teste só parece fazer sentido quando alguém tem que ser internado e é preciso decidir para que tipo de enfermaria vai, Covid ou não-Covid. Fora isso…

– Não concordas então com os que dizem que desconfinámos cedo de mais e mal?

De forma alguma. Desconfinámos foi tarde. O confinamento, o encerramento das pessoas em casa, o encerramento forçado de estabelecimentos comerciais e de muitas outras actividades, foi também um disparate, de muito duvidoso efeito benéfico no controlo da doença, e de muito certo e óbvio efeito negativo económico, social e na saúde (mental e não mental). Agora é tarde o Primeiro-Ministro dizer que “Portugal não aguenta um novo confinamento” (já não aguentava nem se justificava o primeiro)

ou virem líderes partidários mostrar preocupação com a situação económica e social.

Primeiro, estragaram, agora preocupam-se…

– És contra os testes. Só falta seres contra as máscaras, agora que várias regiões de Espanha obrigam ao uso de máscara na via pública e em qualquer local fora de casa, de forma generalizada, a toda a gente…

O facto de haver cada vez mais regiões e autoridades a exigirem o uso generalizado de máscara não tem qualquer relação com a correcção dessa medida. Continuo a afirmar o mesmo: o uso generalizado de máscara pela população não tem evidência de ser benéfico, o seu uso deveria ser deixado ao critério de cada um e não imposto a todos. Até porque existem dúvidas sobre eventuais efeitos negativos dessa utilização generalizada de máscaras por todos. Pomos a máscara, tiramos a máscara, guardamos no bolso, na carteira, num saquinho. Voltamos a pô-la no rosto, para depois a tirarmos mais tarde. Alguém tem ideia se isto reduz ou aumenta a probabilidade de infecção, nossa e dos outros?

– Estou a perceber: és daqueles que acha que não deveríamos fazer absolutamente nada, é isso?

De modo algum. Acho que deveríamos fazer aquilo que está mais demonstrado ser benéfico e não ser prejudicial, medidas que não deveriam ser só para a Covid-19, mas aplicáveis agora e sempre, para evicção desta e das outras doenças contagiosas respiratórias. A desinfecção das mãos e o auto-isolamento quando temos sintomas respiratórios são algumas dessas medidas.

– Então, para ti, tudo o que foi feito foi mal feito.

Algumas coisas sim, é evidente. O encerramento de escolas e a proibição de visitas a instituições de idosos e de crianças em risco são exemplo disso mesmo.

Em relação às escolas, o passar dos dias apenas confirmou o que, desde o início, se sabia: as crianças infectam-se com muito menor frequência do que os adultos e muito raramente têm doença grave. A Covid-19 transmitida aos adultos por crianças é também um fenómeno pouco frequente. Encerrar as escolas foi um disparate, com consequências negativas ainda agora a serem apreciadas na sua totalidade, e a sua reabertura vai ser uma dificuldade, com resistência de (alguns) pais e de (muitos) professores, todos atingidos pelo medo que lhes foi propositadamente (e injustificavelmente) induzido.

Em relação aos lares de idosos, a própria Directora da DGS já veio a público afirmar que as infecções que ocorrem nessas instituições têm habitualmente origem nos funcionários das instituições, e não nas visitas. E a ausência de visitas contribuiu para o abandono sem escrutínio dos idosos, verificado nos lares em Espanha e também cá em Portugal.

– Então achas que deveríamos fingir que esta doença não existe sequer, é isso?

De forma alguma. O próximo Inverno preocupa-me muito. Não tanto pela Covid, mas mais por tudo aquilo que sucede em todos os Invernos sem excepção, com os doentes com múltiplas e variadas infecções respiratórias a encherem as consultas, as urgências, as enfermarias e os cuidados intensivos, com decisões de ventilar ou não a serem assumidas todos os dias, com exaustão das equipas. Todos os Invernos é assim. Ninguém se preocupa, excepto quando o tempo de espera nalgum hospital da capital é excessivamente prolongado e a comunicação social decide fazer uma reportagem, as macas são escondidas, os responsáveis vêm a público comprometer-se com medidas de cosmética que nada resolvem. Até ao Inverno seguinte.

Mas este Inverno vai ser pior. Porque o pânico e escrutínio e a exaustão e a complicação de trabalharmos  de acordo com as normas irrazoáveis da DGS vão tornar tudo muito mais difícil.

Esta doença existe, é bem real. Como muitas outras. Não deveria era ser tão VIP assim.

– Sabes, criticar e falar mal é fácil. Difícil, é fazer melhor. Diz lá então, neste momento, o que farias tu de diferente?

Tanta coisa! Começava por acabar com as conferências de imprensa diárias sobre a Covid-19, que pouco mais são do que fonte indutora de doença, do medo e da ansiedade. Deixava de dar o número de testes positivos/“novos casos” e passava a relatar apenas, semanalmente, o número de doentes internados em enfermaria e em cuidados intensivos, e o número de mortos por Covid-19. Mudava as normas da DGS que obrigam a medidas não provadas e totalmente disruptivas para o funcionamento de estabelecimentos, escolas, hospitais, e tornava essas normas apenas recomendações e não imposições. Terminava com os testes a  pessoas sem sintomas. Deixava a cargo de cada hospital, conforme a sua realidade de recursos e de doentes, a organização e gestão dos cuidados aos doentes Covid e não Covid, sem impor a obrigatoriedade de circuitos independentes, equipas independentes, equipamentos de protecção individual manifestamente exagerados e injustificados. E podia continuar.

– Não concordo contigo. Acho que todas as medidas que possam reduzir o número de mortos e de doentes graves com Covid-19 devem ser implementadas e já. A saúde deve ser sempre mais importante do que a economia.

Respeito totalmente a tua opinião, que considero estar completamente errada. Sem economia, é difícil haver saúde, a associação entre desenvolvimento económico e saúde é uma das mais consistentes.

E o exagero nunca leva a bom resultado: querer fazer tudo o que eventualmente possa reduzir a Covid-19, sem consideração pelas consequências e pela liberdade individual, é, na minha opinião, um erro. Até porque essa estratégia já tem tido (e terá ainda mais) efeitos nefastos na saúde, quando as outras doenças e os outros doentes são deixados para segundo plano.

Continuo a achar que, de forma consciente e propositada, foi seguida uma estratégia de massificação do medo desta doença, para que as pessoas obedecessem às recomendações e aceitassem as imposições. E para que achemos normal populares amarrarem a uma grade um suposto doente com Covid-19 que não cumpria o confinamento, ou que uma mulher de 65 anos que saiu de um serviço de urgência, onde se tinha recusado fazer o teste à doença, fosse “retida” pela polícia e forçada a regressar ao hospital.

Ou seja, mantenho a minha posição sobre a Covid-19: é uma infecção viral respiratória, com potencial para ser grave numa minoria de pessoas, quase todas acima dos 80 anos, idade em que sua a mortalidade atinge valores próximos de 15% (por comparação, a mortalidade por pneumonia nestas idades anda à volta dos 38%). Poderá vir a ser tão grave como uma gripe pandémica mas, de momento e em Portugal, não teve ainda a repercussão sequer de uma gripe sazonal. Pelo contrário, a repercussão das medidas instauradas para o seu controlo é enorme e crescente. Se não se mudar a estratégia que tem sido seguida nesta doença, aliviando o medo e ajustando as medidas, de acordo com a ciência que as comprova e com as consequências que provocam, os danos que já se fazem sentir virão a ser ainda maiores e a mitigação desses danos, essa sim, tornar-se-á difícil ou impossível.

Não mudei.