Nada garante que o Governo de António Costa esteja a abeirar-se rapidamente do fim, mas muitos são os indicadores que levam a crer que é isso que se está a passar.

A decomposição da geringonça foi o primeiro e mais importante desses indícios. Culpa do PS, sem dúvida, que começou por desconsiderar o Bloco quando este se lhe ofereceu, após as últimas legislativas, para o que fosse preciso. Costa toureou-os, fazendo de conta que estava a negociar seriamente um acordo de legislatura, e, porque os julgava na mão, fez-lhes, mais ou menos, o que já antes tinha feito com o PSD de Pedro Passos Coelho, a quem simulara também a mesma coisa. As humilhações que então foram infligidas aos bloquistas, em que até Carlos César se deu ao luxo de os destratar publicamente, estão agora a ser retribuídas com tratos de polé orçamental, com o Bloco a servir a vingança fria, como mandam as boas regras. Depois, a cada vez mais palpável ameaça de extinção do Partido Comunista Português, que conseguiu resistir à derrocada do muro de Berlim e do comunismo, mas parece não ser capaz de sobreviver aos efeitos politicamente tóxicos da geringonça. Não era segredo para ninguém que o desgaste de uma solução governativa arrasta sempre consigo os seus responsáveis e que, no caso desta exótica ménage à trois governativa, ou o Bloco, ou o PCP, ou até esses dois partidos pagariam eleitoralmente, mais tarde ou mais cedo, o facto de terem abdicado de capitalizar o descontentamento à esquerda. No caso, parece que a fava saiu ao PCP, o que se entende bem, na medida em que, conforme as leis de Darwin, a seleção natural começa sempre por vitimar os mais velhos e mais frágeis. O Bloco, por enquanto ainda relativamente jovem e arteiro, descolou a galope deste Orçamento do Estado, enquanto que a gerontocracia comunista se distraiu e se comprometeu com uma abstenção que o viabilizará. Será certamente a última vez que o fará, sobretudo depois destes resultados das eleições açorianas e daqueles que as presidenciais certamente lhe vão reservar.

E são esses resultados de domingo passado o mais forte indício de que Costa e o seu Governo caminham, a passos largos, para o abismo. Se é certo que os resultados açorianos não serão mimeticamente transponíveis para o todo nacional, as coisas são o que são e, em política, quando se começa a descer, dificilmente se consegue reverter o sentido do percurso. Há, contudo, a ter em conta que António Costa ainda acredita que a célebre “bazuca europeia” lhe poderá dar uma sobrevida de mais alguns orçamentos, que lhe permitiriam chegar ao último ano da legislatura com a crise do Covid resolvida, finanças resistentes e a economia a recuperar. Se assim for, Costa ainda poderá emigrar para um alto cargo internacional e manter a ilusão presidencial de 2026. Mas, se não for assim, António Costa, o pai biológico da geringonça, acabará intempestivamente a sua carreira política.

As eleições regionais dos Açores comprovaram, deste modo, aquele que é o mais inegável mérito da democracia, que é, como lembrava Karl Popper, esse enorme filósofo liberal de quem os liberais se parecem ter ultimamente esquecido, a possibilidade de destituir pacificamente os governantes, mesmo quando estes perduram por muitos anos no poder e nele estabelecem intrincadas teias e redes de ligações espúrias, assenhoreando-se do Estado, como é o nosso caso. É essa qualidade, e não tanto a ideia representativa – muito em crise nas últimas décadas, se é que alguma vez foi real – que faz da democracia “o pior regime político que existe, com exceção de todos os outros”, como gostava de dizer Winston Churchill. E isso ficou demonstrado nos Açores: que a direita pode, ao fim de 25 anos de pântano socialista, afastar o PS do poder, apesar da gélida liderança nórdica e nada galvanizadora de Rui Rio no PSD e, pior do que isso, de ter agora o seu eleitorado disseminado por quatro partidos, o que tornará mais difíceis os acordos necessários.

A grande questão do regresso da direita ao poder será, portanto, a seguinte: o que é que ela para lá vai fazer? Lembrando que, das últimas vezes que por lá passou, se envolveu em trapalhadas que causaram o seu afastamento precoce, com graves consequências para o país, como a subida ao poder de José Sócrates, será avisado que as não volte a repetir. Rememorando, para não esquecer, somente o essencial, com Durão Barroso e Paulo Portas, a direita constituiu um Governo que fez o exato contrário do que prometera em campanha eleitoral (o “choque fiscal” metido na gaveta, lembram-se?), que durou até à fuga trapalhona do Primeiro-Ministro para Bruxelas. Com Passos Coelho e, de novo, Paulo Portas, foi para o Governo sem se ter entendido num projeto previamente acordado para um país que estava em grave rutura financeira, o que causou permanentes conflitos entre os parceiros da coligação e impediu que se fizessem as reformas necessárias no começo da legislatura, antes que as forças que se lhes pudessem opor se recompusessem. Foi, aliás, isso mesmo que acabou por acontecer, como confessou Vítor Gaspar numa amarga carta de despedida de funções ministeriais.

Não basta, portanto, que PSD, CDS, Chega e IL aceitem a obrigação moral de afastar o PS do poder. É necessário que se entendam, previamente, sobre o que para lá querem ir fazer. O caminho será certamente muito estreito, já que CDS e Chega lutam pelo mesmo espaço eleitoral e a IL sabe que qualquer passo em falso a poderá condenar à irrelevância. Por conseguinte, só lhes resta crescer em simultâneo, para que nenhum deles seja canibalizado pelos outros. A mudança de ciclos políticos poderá permitir um aumento considerável de eleitores à direita, como, aliás, em sentido político contrário, ficou demonstrado pelos partidos da geringonça durante algum tempo. Mas, para isso, os partidos da direita terão de apresentar ao país um projeto governativo mobilizador, alternativo ao socialismo de António Costa e do PS. De facto, sem um programa de reformas que desestatize o país e retome o caminho de crescimento iniciado por Pedro Passos Coelho e interrompido pela geringonça, a direita comporá os seus interesses partidários e pessoais, mas não resolverá os problemas nacionais. Será uma geringonça à direita, que padecerá exatamente dos mesmos vícios e defeitos da sua homónima à esquerda. A prazo, como sempre sucede em democracia, acabará por se decompor e por dar o Governo a outros, ao PS, obviamente, e tudo voltará ao que era antes. Como, aliás, sucedeu com o governo de António Costa, após a saída de Passos.

Por conseguinte, a responsabilidade que, desde domingo passado, impende sobre os pequenos partidos que compõem a direita portuguesa – o Chega, a Iniciativa Liberal e o CDS – é enorme, porque já não se podem apresentar apenas como meros partidos de protesto, estando agora obrigados a demonstrar aos eleitores a sua utilidade: servem para afastar o PS do governo e para preparar e um projeto político reformista e alternativo, ou serão incapazes de se entender? Esta é a resposta que os portugueses querem conhecer. Hoje nos Açores, amanhã no país.

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