No regresso de um bem passado par de dias de férias no Alentejo, encaminhei-me para Lisboa, onde tinha assuntos a tratar. Antes de iniciar viagem, um amigo fez-me chegar o anúncio de uma manifestação de «orgulho gay» que a Iniciativa Liberal promoverá no Porto, nos próximos dias. A notícia fez-me escrever um comentário na minha página do Facebook, salientando alguma estranheza por ver a IL, nos últimos tempos, em posições políticas muito próximas do Bloco de Esquerda. Aconteceu com a eutanásia, onde se pretendeu legislar sobre um assunto que está ainda muito longe de reunir um consenso nacional, nomeadamente na comunidade científica e médica, cuja opinião devia ser aqui particularmente tida em conta, e, ainda que com menor importância, na promoção desta manifestação de «orgulho gay». Incomoda-me, como eleitor e apenas nessa condição, ouvir e ler a acusação, cada vez mais frequente, de que a Iniciativa Liberal é um «Bloco de Esquerda que quer baixar os impostos», sobretudo porque quero acreditar que isso não é verdade.

Ao meu post do Facebook sucederam-se incontáveis dezenas de comentários sobre o tema da homossexualidade masculina e feminina, muitos deles com uma agressividade contra e a favor, que francamente me surpreendeu. Quando a discussão abandonou a espuma dos dias partidários, defendi uma hipótese, em contraponto a outras que por lá cirandavam, que me parece ser uma evidência: que a determinação dessa forma de sexualidade é muitas vezes imposta pela natureza e pela genética, mas, em muitas outras, será resultado de uma escolha individual, de uma decisão própria e consciente sobre uma de duas polaridades distintas que podem interpelar o decisor.

Fui imediatamente apedrejado! O contraponto ao que dissera, apresentado como certeza científica, foi o de que a sexualidade não consiste numa escolha mas uma determinação imposta pela natureza, para a qual a racionalidade e a vontade nada contam. Como velho liberal que sou, crente na soberania do indivíduo e das suas escolhas, mesmo quando os deuses e os homens violentamente lhe impõem constrangimentos e limitações, tentei retorquir com isso mesmo, que tudo na vida são consequências e que estas são ditadas pelas decisões que tomamos. Como liberal, recuso-me a aceitar o dogma da indomabilidade dos sentidos, porque sobre eles podemos sempre apor a razão, a cultura e os sentimentos, e aquilo que, no limite, entendemos que é a nossa melhor escolha para o que queremos para nós. Não posso conceber que um espírito livre se considere escravo dos sentidos, das paixões ou dos desejos – e não se veja nisto qualquer referência estrita à sexualidade -, porque somos homens e não animais irracionais. E parece-me até que, nesse juízo determinista, há uma discriminação negativa da homossexualidade, como se ela fosse uma fatalidade e uma condenação a algo que, se pudéssemos, se dependesse da nossa vontade, seria diferente. Certamente que muitas pessoas nascem com uma indeclinável propensão sexual e emotiva para o género a que pertencem, mas outras tomam essa decisão por razões que não se esgotam no determinismo genético e físico. Dito doutro modo, a libertação sexual não pode ser outra coisa que não um ato de liberdade individual.

Isto escrito, logo se passou para o ataque e o insulto pessoal, que foram da desconsideração ex cátedra do meu analfabetismo sobre a sexualidade humana, como se a melhor aprendizagem não fosse, nestas e em muitas outras matérias, o conhecimento empírico, até ao já clássico ataque ad hitlerum, tentando pôr-me na boca o que não havia dito, nem alguma vez tinha pensado. Curiosamente, alguns liberais que seguiram a algazarra contactaram-me particularmente para me dizerem que tinha tocado num perigosíssimo tabu, para o qual é indispensável coragem e resistência moral, e donde muito dificilmente se sai bem. Aí a coisa complica-se porque, numa sociedade livre, que é o ideal que os liberais devem prosseguir, não só a liberdade de opinião tem de ser absoluta, mas porque ela só verdadeiramente o será se as ideias e as convicções puderem ser debatidas sem constrangimentos, pressões, chantagens emocionais ou ameaças de reputação. Alguns dos nossos «liberais» têm, por isso, de aprender que, antes de serem «liberais», melhor seria que fossem livres, porque ser livre dá muito mais trabalho e requer muito mais coragem do que subscrever, no papel e no verbo, meia-dúzia de ideias formatadas.

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O que esteve em causa no comentário original que provocou toda esta celeuma, não tem nada a ver com a liberdade sexual, que deve ser exercida sem restrições de qualquer espécie, muito menos que dela possa fazer uso político quem quiser. Tão pouco envolvia qualquer juízo de valor sobre a natureza, as escolhas ou orientações sexuais de cada um, que compõem a sua reserva absoluta de intimidade e só ao próprio dizem respeito. Felizmente, as sociedades ocidentais são hoje, na sua esmagadora maioria, e após terem travado um combate desigual por essa e por outras liberdades, sociedades de inclusão, não discriminatórias, onde qualquer um pode ser o que muito bem entender e apresentar-se perante os outros na sua condição própria. O tempo ignaro dos Stonewall riots felizmente já lá vai, embora em muitas sociedades e locais o sexo seja ainda motivo de discriminação. Por isso, uma sociedade livre deve cuidar e preservar muito bem a memória, pelo que é fundamental recordar, com frequência e até com insistência, o que foram as lutas dos homossexuais (masculinos e femininos) para conquistarem o respeito que lhes é inteiramente devido como pessoas cuja dignidade não pode ser posta em questão por motivos da sua identidade. E, onde e quando esses direitos fraquejarem, que sejam combatidos com total determinação aqueles que o tentem fazer, por via de manifestações e pronunciamentos, mas primacialmente através da lei que, em qualquer Estado de direito, consagra os princípios da liberdade e da igualdade, e que é a garantia maior desses valores numa sociedade adulta e civilizada.

Acontece que o «orgulho gay», que começou por ser um movimento de defesa destes direitos nos EUA, na década de 60 do século passado, numa época em que muitas pessoas eram discriminadas e perseguidas em razão da sua sexualidade pelas próprias autoridades policiais que as deveriam proteger, transformou-se radicalmente, nos últimos anos. Concretamente, numa ideologia de intervenção social e política que defende a igualdade plena das diferentes sexualidades, não em termos de direitos e da respeitabilidade que a todos e a qualquer um devem caber, mas na sua própria natureza. Contudo, a Ciência não subscreve esta convicção, porque, como o leitor Gastão Taveira oportunamente acrescentou num comentário a esse post que tomo a liberdade de citar, «em termos de biologia genética, na espécie humana há 6 cariótipos sexuais (podemos dizer géneros?) viáveis – que permitem a sobrevivência do feto. Mais de 99.7% da população são XY (macho) ou XX (fêmea). Os restantes – X (fêmea); XXY, XYY, XXXY (machos) – representam menos de 0.3% das pessoas. O que distingue um macho é poder produzir sémen (mas não óvulos) enquanto uma fêmea pode produzir óvulos, mas não sémen. É assim em todos os mamíferos. Uma pequena % não consegue produzir sémen nem óvulos, por causas diversas. Mas nenhum espécime que produza um pode passar a produzir o outro, mesmo com operações e terapias trans». Sendo estes os dois «géneros» que compõem a espécie humana – o feminino e o masculino -, nada nos garantem, porém, sobre como cada indivíduo determinará a sua sexualidade, no que poderão entrar razões de ordem psicológica, emocional ou outras. Entre elas, a livre escolha por uma sensorialidade e emotividade distintas do padrão do género a que se pertence.

Infelizmente isto, que me parecia dever ser uma evidência consensual, tem sido posto em causa por uma ideologia política disruptiva, que pretende difundir e até impor a todos, desde a mais tenra idade, a ideia falsa de que todas as sexualidades são iguais e correspondem a padrões da natureza, fazendo-se disso uma «verdade» para doutrinar os incréus. Foi essencialmente nisto que se transformou o movimento, agora eminentemente político e militante, do «orgulho gay», que da defesa e exaltação de direitos individuais inquestionáveis passou a ser uma doutrina que afirma que todas as sexualidades são igualmente naturais, o que não tem sustentação científica, nem é sequer uma afirmação de liberdade. Pelo contrário, pode mesmo consistir num totalitarismo abusivo e perigoso, como ainda há pouco tempo vimos num inquérito feito a crianças de 9 anos de uma escola pública portuguesa, onde se perguntava se elas se sentiam «atraídas por homens, mulheres ou ambos». Já agora, sobre isto, o que pensa a Iniciativa Liberal?

É por isso que, se não me espanta nem incomoda que o Bloco assuma essa posição, porque o Bloco não gosta do mundo que somos e em que vivemos, e quer verdadeiramente fazer ruir os alicerces sobre os quais ele assenta, já não me alegra ver a Iniciativa Liberal propor a defesa de uma particular ideologia igualitarista de género, em vez de sublinhar o direito absoluto à livre orientação sexual e à sua expressão incondicional. É que os direitos fundamentais pertencem à pessoa humana, não às pessoas em razão da sua determinação sexual ou outra qualquer. E é disso que devíamos falar quando dizemos defender a liberdade.