A direita embandeirou em arco com a queda de António Costa e do seu governo, e com a consequente marcação de eleições legislativas antecipadas. Não deveria. Não tem razões para isso.

Em oito anos de governos socialistas de uma esquerda quase sempre radical, cinco deles em coligação com o PCP e o Bloco de Esquerda, um anacronismo político só existente em Portugal, a direita foi incapaz de oferecer ao País um programa alternativo ao de António Costa. Dividiu-se em quatro partidos com ambições eleitorais, que se guerreiam entre si na disputa de um eleitorado que não cresceu na mesma proporção dos fracassos da governação socialista e dos inúmeros escândalos que esta ofereceu. Deixou passar, por entre os dedos, a tragédia da TAP, a falência do SNS e da Escola Pública, os ataques à propriedade e à iniciativa privada, ao Alojamento Local, a brutal carga fiscal que os portugueses pagam em troca de serviços públicos cada vez mais degradados e insatisfatórios. Ao longo desses anos, entreteve-se a mimetizar o PS, na liderança de Rui Rio, a demarcar linhas vermelhas recíprocas e a insuflar o partido do Dr. Ventura, fazendo dele o centro de todas as suas atenções. A IL jurou pelas cinco chagas de Cristo que jamais participará em qualquer solução governativa que tenha o mais leve vestígio do Chega e o PSD de Montenegro diz que «não é não», que nunca recorrerá ao partido de Ventura porque, veja-se lá, «não precisa» dele! Neste momento, a menos de quatro meses de eleições, que alternativa política tem o PSD para , que historicamente sempre liderou a direita no governo? E com quem e com que compromissos programáticos? Quando afirma, em outdoors lustrosos, que é preciso «baixar impostos, já!», a que impostos se refere? Com que níveis de redução? Porá termo ao infamante «imposto Mortágua», um dos maiores ataques à propriedade privada desde o gonçalvismo, ou esquecerá de o fazer quando chegar ao poder? Reverterá a legislação que condenou à morte o Alojamento Local, ou acabará por a deixar incólume? E o pacote legislativo «Mais Habitação», irá para o caixote de lixo que merece, ou será aproveitado em nome do consenso e da procura de soluções de um tão «grave problema» que é os jovens não viverem nos centros das cidades em prédios de alto padrão? Ninguém sabe. Mistério. Mas um mistério que urgentemente se tem de desvendar por via de compromissos públicos programáticos de Montenegro, se é que ele tem uma aspiração séria de liderar o governo que sairá das eleições de 10 de Março.

É verdade que os oráculos não reservavam a Luís Montenegro esse glorioso destino. O atual líder do PSD, que é inequivocamente um homem inteligente, tem fraco carisma e até os seus dotes de orador, notáveis quando liderava a bancada do seu partido, parecem ter-se esvaido em frases soltas e ligeiras. Montenegro transmite a sensação de que nem ele acredita em si. Desde o balde de água gelada que levou nas eleições da Madeira piorou muito a sua prestação, porque o convenceram que só ganhará legislativas se papaguear, a par e passo, o mantra do «não é não. Montenegro prestou atenção aos resultados madeirenses, que interpretou mal, mas não fez o mesmo em relação às eleições espanholas, onde outros sábios da mesma escola deram iguais conselhos na reta final da campanha a Feijó, que ganhou as eleições mas verá Pedro Sánchez a governar. E a desmembrar o seu país.

Os astros guardavam, de facto, outro destino para Luís Montenegro. Mas, como já muito bem sabiam os antigos gregos, por vezes os deuses brincam com o destino dos homens, enredam-nos em teias ilusórias e pregam-lhes imprevistas partidas. O mapa astrológico de Montenegro ditava-lhe uma ida a europeias contra Costa, que este perderia ou ganharia por muito pouco. Depois, em nome da salvação do partido e do País, haveria quem aparecesse a pregar o regresso inevitável de Pedro Passos Coelho, o que, aliás, já estava a acontecer a ritmo acelerado antes do dia 7. Passos uniria o PSD e federaria a direita, e chegaria triunfante às legislativas. Os acontecimentos trocaram, porém, as voltas às conjeturas, e será Luís Montenegro a ir a essas eleições. Com uma perspetiva que está longe de ser animadora. Na verdade, na primeira sondagem (Intercampus) saída em pleno olho do furacão da demissão de Costa, feita a 7 e 8 de Novembro, o PS cai consideravelmente, mas o PSD não cresce e não consegue superar uns anémicos 27%. Em contrapartida, o tal partido cujo nome se não pode dizer, está nos 16%. As sondagens são falsas? Nunca acreditei nisso. Ou melhor, até poderei acreditar, mas também não ignoro que elas vincam tendências e ajudam a construir resultados.

Sucede que faltam ainda quatro meses, quatro longos meses, para que as eleições tenham lugar. Durante esse tempo o PS só poderá recuperar, uma vez encontrada uma nova liderança, seja a de Pedro Nuno Santos (o mais provável), seja a de José Luís Carneiro (o melhor). Quem sabe até se as investigações sobre António Costa não poderão ser arquivadas ainda antes do ato eleitoral (o Chefe de Estado, não nos esqueçamos, pediu pressa), o que daria um suplemento de alma invejável ao partido das «contas certas». Em contrapartida, para segurarem eleitorados e conseguirem crescer, os quatro partidos da direita, em vez apresentarem uma alternativa de governo, continuarão entretidos a traçar linhas vermelhas e a pontapearem-se reciprocamente. Depois das eleições, caso as ganhem mas precisem de formar uma maioria parlamentar, terão de se entender, se forem capazes disso, o que não parece muito provável dado o resultado elevado que o Chega poderá alcançar. Já o PS, com Pedro Nuno Santos, fará uma coligação parlamentar à esquerda, com Bloco e PCP. Se o líder for José Luís Carneiro esse acordo bem poderá acontecer com a Iniciativa Liberal, porque Carneiro representa o espírito do velho liberalismo político português burguês de oitocentos, que esteve, de facto, na génese do socialismo democrático da República e do pós-25 de Abril, e que está longe de desagradar a largos setores da IL.

Talvez o PSD devesse ter aceitado a sugestão de manter um governo socialista em funções, liderado por uma figureta como Santos Silva, César ou mesmo o endeusado Centeno. Ser-lhe-ia muito mais útil, porque continuaria a desgastar o PS numa governação que se precipitaria, sem o chefe natural, em guerras internas e problemas inevitáveis. Alguém imaginaria Santos Silva a tratar do negócio da TAP? Ou Centeno em debates parlamentares quinzenais? Mas Montenegro preferiu precipitar-se numas eleições que serão o seu tudo ou nada, e que lhe permitem evitar o perigo das europeias. Tal como Passos permitiu que acontecesse com José Sócrates e o famoso PEC IV, também desta vez o governo socialista não provará cabalmente aos eleitores a sua incompetência e o descalabro a que conduziu o país. Não será por isso de surpreender que voltemos a ter o PS no governo daqui por alguns breves anos ou, quem sabe, até mesmo nos próximos meses.

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