A tragédia desta guerra vai-se estender muito para além das fronteiras da Europa. Os países emergentes mais pobres e dependentes de bens alimentares produzidos na Rússia e na Ucrânia estarão provavelmente entre os mais afetados. Num panorama de guerra sem prazo que pode aumentar o risco mundial de insegurança alimentar, a África e o Médio Oriente encontram-se de novo, dramaticamente, no centro das preocupações.

A resolução da ONU no início da Guerra para condenar a invasão russa da Ucrânia mostrou que existe um muro ideológico a separar o continente africano. Entre os 35 membros da ONU que se abstiveram na votação, 17 são países africanos, incluindo a África do Sul, Angola e Moçambique. Este divórcio entre os Estados africanos reflete os passados diferentes de colonização e independência, diferenças entre os partidos que estão atualmente no poder e as dependências económicas e políticas de cada país. Mas independentemente da motivação, é um sinal de como esta guerra pode voltar a dividir o mundo em dois polos conflituantes.

A não condenação da invasão por parte de alguns países africanos é especialmente paradoxal considerando que, infelizmente, a África é também um dos continentes que mais poderá vir a sofrer com o prolongamento da guerra. Segundo dados das Nações Unidas, a esmagadora maioria dos países africanos tinha em 2016 uma dependência de bens agrícolas superior a 50%. Os efeitos da guerra nos preços dos cereais, óleo e fertilizantes podem ser dramáticos para a produção local de bens alimentares.

Em 2021, o Programa Alimentar Mundial (WFP) considerava que existiam 20 regiões em situação de insegurança alimentar crítica. Entre eles, 16 eram países africanos, incluindo Angola e Moçambique. O WFP já alertou que a situação de insegurança e de crise alimentar, que se agravou com a pandemia, pode deteriorar-se ainda mais. Foi também por causa dos preços internacionais dos cereais que o Egipto pediu esta semana apoio ao FMI.

Com a emergência alimentar e social à porta, a situação de África e do Médio Oriente é especialmente precária nesta guerra, o que pode exacerbar os fluxos migratórios vindos do Médio Oriente e do Norte de África para a Europa. No curto prazo, uma das prioridades da Europa deve ser o apoio económico e alimentar a estes países. No longo prazo, é necessário empenho e financiamento para estabilizar política e socialmente estas regiões, de modo a se tornarem mais resilientes neste novo mundo bipolar que começa a emergir.

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