A inflação foi o grande protagonista do debate na generalidade da proposta de Orçamento do Estado de 22. O Governo foi criticado à esquerda e à direita, com palavras diferentes, mas sempre com a mesma mensagem: os portugueses em geral vão perder poder de compra porque o Governo não ajusta os escalões do IRS à subida dos preços; os pensionistas que não são aumentados ficam mais pobres e os que vão receber mais dez euros verão isso mais do que comido pela inflação e os funcionários públicos nem sentirão a actualização de 0,9%. António Costa e Fernando Medina conseguiram que só se falasse dos números do crescimento divulgados pelo INE – que foram muito bons – e fugiram com sucesso do tema da inflação com números, revelados também nesse dia, que danificam bastante a tese da inflação temporária.
Os números da inflação de Abril revelam uma dinâmica muito acelerada na subida dos preços. De tal maneira que Portugal se alinhou praticamente com a inflação da Zona Euro em Abril (7,4% em Portugal e 7,5% na Zona euro, em base comparável), quando em Março estava em 5,5% (contra 7,4% na Zona Euro).
Não demos apenas um salto na inflação, como também os preços que teoricamente não são afectados pela crise da guerra estão a subir bem mais do que na zona euro. A inflação sem os bens alimentares e a energia está em Portugal nos 5%, quando a da Zona Euro em cerca de 4%. Todas estas variações referem-se à comparação entre Abril deste ano e do ano passado.
A inflação do mês de Abril é um sério sinal de alerta. A subida de preços em Portugal está agora a ser mais rápida e parece – temos de esperar pelos dados definitivos – estar a contaminar todos os sectores. A inflação média, aquela a que obviamente o Governo se vai agarrar para moderar as reivindicações salariais, já se aproxima dos 3%.
Conseguir que a inflação seja temporária é extraordinariamente difícil, como o próprio Governo bem sabe. A guerra na Ucrânia, ao afectar a energia, mas também um vasto conjunto de minérios que entram em sectores tão diversos como a agricultura e a construção, tem condições para elevar todos os preços. Resta obviamente aos governos moderar as subidas dos salários para que, a esta fase de subida de preços por via dos custos da energia e matérias-primas, não se siga outra ditada pelo aumento dos custos com o pessoal.
O sucesso desta abordagem de moderação salarial vai depender da capacidade de reivindicação do sector público, mas será em grande medida ditada pelas condições do mercado de trabalho no sector privado. E em Portugal a taxa de desemprego está bastante baixa e há já queixas de falta de mão-de-obra em sectores, por exemplo, ligados ao turismo. Se o efeito de perda do poder de compra na administração pública deverá ser homogéneo, no sector privado vamos assistir a situações diferentes, em função da relativa escassez de trabalhadores.
Mas além da inflação que encurta o dinheiro de cada mês, o rendimento será ainda apertado pela subida das prestações com o crédito à habitação. O BCE é neste momento o único banco central ocidental que não aumentou as taxas de juro, mas os mercados já antecipam o seu agravamento, o mais tardar no fim do ano. O que já se reflete no principal indexante do crédito à habitação, a Euribor.
Mas enquanto o mercado, os sindicatos e o BCE se movem, o Estado terá uma parte das suas receitas alimentada pela subida dos preços, beneficiará de juros reais ainda mais negativos e terá um menor peso da sua dívida. Quanto mais tarde o BCE subir os juros e quanto mais o Governo resistir à subida dos salários da administração pública, mais se ganhará em matéria da redução do défice e da dívida. Quando não há inflação, como aconteceu no passado, reduzir o défice exige o anúncio de cortes nominais. Quando há inflação, os cortes acontecem sem anunciar, basta nada fazer e nada dizer até as pessoas se aperceberem e ficarem zangadas. Entretanto já se ganhou alguma coisa. Nada melhor que uma inflação com juros baixos para quem é devedor. Pagam os credores e quem tem rendimentos baixos. Mas o Estado ficará relativamente menos endividado.