Os protestos nas universidades norte-americanas e francesas comprovam que o anti-semitismo está de volta. Não vou questionar a liberdade de expressão de cada um nem sequer pretendo rebater as críticas feitas ao governo de Netanyahu. A liberdade de expressão não justifica a violência, não tolera que se impeçam judeus de entrarem nas universidades nem permite que as críticas a um governo se confundam com o ataque à existência de um Estado, menos ainda à de um povo. Nem todos os Israelitas são do governo de Netanyahu como nem todos os judeus são Israelitas. Na verdade, são inúmeros os judeus que não encaram o Estado de Israel como a melhor forma de garantir a sua segurança enquanto povo. Mas isso é outra questão que não cabe neste texto, embora devesse ser conhecida por quem branda cânticos cujo sentido ignora.

A ignorância assume uma importância essencial neste assunto. Vários jornalistas tiveram a oportunidade de perguntar aos protestantes o que os movia. A grande maioria respondeu ser o corte das universidades com o Estado de Israel e com as empresas ligadas a Telavive. Praticamente nenhum conseguiu concretizar quais as ligações que queriam que fossem cortadas e, quanto às empresas, limitaram-se a referir algumas como o Starbucks e o McDonalds. Poucos, muitos poucos sabem alguma coisa sobre o conflito israelo-árabe, as suas origens e como se chegou até à situação que se vive hoje. Com a cabeça cheia de frases feitas que se limitam a repetir, a maioria divide as partes em conflito entre bons de um lado e maus do outro, independentemente da complexidade do que está em causa e da diversidade de opiniões que, inevitavelmente, há entre israelitas e palestinianos. Já ouvi dizer que a ignorância dos protestantes não justifica a injustiça do governo de Israel. Isso é outro tema que também não cabe aqui, mas o ponto é precisamente o da ignorância. Porque a injustiça, a violência, a discriminação, o anti-semitismo, o racismo, o machismo e o feminismo marxista ou radical nascem da ignorância que conduz ao preconceito, à cegueira ideológica e ao ódio.

Ora, a ignorância no meio universitário torna tudo ainda mais grave. Porque é de estudantes universitários que estamos a falar. Alunos que estudam nas melhores universidades do mundo, lugar que devia ser de busca de conhecimento. Algo que pede humildade e capacidade de escutar antes de julgar. E foi a ignorância, a violência, a discriminação, o anti-semitismo, no fundo o racismo que levou a que se impedisse a entrada de alunos judeus nas universidades onde estão inscritos. O que sucedeu a Elizabeth Eckford em 1957 não foi muito diferente disto. Na origem do que se passou em Little Rock e o que actualmente sucede nas maiores universidades encontramos os mesmos fundamentos que julgávamos há muito vencidos.

Além de não servir de justificação, a ignorância é perigosa porque é a arma dos manipuladores. Por trás dos protestos encontram-se várias organizações de pendor extremista que procuram tirar proveitos para a seu discurso de divisão e de ódio. O ataque aos judeus é apenas a primeira fase da guerra que travam contra o Ocidente das liberdades individuais, da igualdade e da solidariedade. As universidades são um lugar de discussão, estudo e conhecimento. São um lugar privilegiado de inovação, e se o discurso de cancelamento levar a melhor as consequências negativas para o desenvolvimento espiritual, o progresso científico e material do Ocidente será equivalente ao que sucedeu nos anos 30 do século passado e que ditou o fim da capacidade da Europa se inovar tecnologicamente e ditou o atraso que hoje identificamos tão bem. E não, o fenómeno não é igual ao de 1968. Nessa altura, os jovens não queria combater numa guerra sem sentido e contra quem não tinha atacado os EUA. Por alguma razão os protestantes não tapavam o rosto. A causa tinha um sentido e um fim específico, ao contrário do que sucede agora onde o desconhecimento e o oportunismo imperam.

O tempo passa e não cura apenas; também faz esquecer. Com o correr dos anos sobre os crimes do nazismo contra os judeus, o anti-semitismo está de volta. Se, enquanto indivíduos e em comunidade, aprendemos algo com a história devemos ser capazes de distinguir pessoas de governos e também de Estados. Devemos ainda ser capazes de escutar antes de concluir, e de concluir antes de julgar. Atacar judeus só porque é fácil, porque está na moda e é uma festa ir com a maré não é uma luta cívica. É só monstruoso e repulsivo.

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