Depois de dois anos de inflação e taxas de juros em níveis históricos, 2024 promete ser o ano da recuperação, com o consumidor ao leme da economia.

Segundo o Mastercard Economics Institute (MEI), no seu Outlook para 2024, o ano deverá ser marcado pelo alívio da inflação na maioria das economias, com o índice global a situar-se nos 4,9% (YOY) quando, em 2023, esse valor foi de 6,0%, e ainda acima da tendência pré-pandemia, que era de 2,7%.

De acordo com o MEI, é provável que o crescimento “real” da economia global em 2024 seja semelhante a 2023, com um crescimento real do PIB global de 2,9%, em comparação com os 3,0% de 2023.

Perante este cenário de descida da inflação e das taxas de juros e com o emprego a mostrar um dinamismo forte, os consumidores deverão continuar a manter os seus gastos. Os salários estão a crescer acima da inflação e, por isso, o poder de compra deverá aumentar.

Ou seja, a expectativa é de que a economia global se aproxime do “normal” do que nos três anos anteriores, pese embora ainda estarmos em processo de reequilíbrio. Isto significa que os consumidores e as empresas estão conscientes das prioridades que devem dar aos seus gastos e investimentos, tendo em consideração o ambiente de mudanças registados nos diferenciais de preços relativos e nos custos mais elevados dos empréstimos.

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Em suma, a economia global vai estar dependente de três variáveis comuns: o poder do consumidor, o alívio da inflação e a normalização das políticas dos bancos centrais em relação às taxas de juro. A isto importa adicionar as varáveis regionais, em que as tensões sociais e políticas, nomeadamente os vários ciclos eleitorais que poderão trazer mudanças, os riscos geopolíticos, o custo de vida, o acesso ao crédito, a sustentabilidade da dívida e as desvalorizações cambiais poderão ditar conjugações diferentes à evolução das economias.

Por outro lado, vamos continuar a assistir a um desempenho díspar entre os sectores industrial e de serviços e, por isso, também entre as economias que são relativamente mais dependentes dos serviços e as que são relativamente mais dependentes da indústria transformadora, com as economias lideradas pelos serviços a registarem novamente um melhor desempenho.

Portugal é disso um exemplo. Graças ao turismo e às exportações e à resiliência registada no consumo das famílias, o crescimento do PIB acabou por ficar acima da média da Zona Euro – enquanto a economia portuguesa cresceu 2,3%, a economia da Zona Euro estagnou nos 0,5%. Em 2024, o MEI estima que a economia portuguesa continue a superar a Zona Euro com os gastos dos portugueses a crescerem 1%. Esta dinâmica resulta diretamente de um forte mercado de trabalho com uma baixa taxa de desemprego (6,6%) e do aumento dos salários, nomeadamente do salário mínimo. Já a taxa de inflação média é inferior ao crescimento dos salários e a expectável descida das taxas de juro do BCE e o impacto na redução dos custos associados, sobretudo, ao crédito à habitação, fará com que o rendimento disponível real possa aumentar, ainda que moderadamente, em comparação com 2023. Este ligeiro aumento do poder de compra é provável que resulte num aumento dos gastos discricionários, com um efeito direto nas dinâmicas económica e social.

Na vizinha Espanha, de quem a economia portuguesa depende, o sector dos serviços continua a liderar o forte desempenho económico, graças à procura interna robusta e de um foco global dos consumidores em “experiências” em detrimento de “coisas”. Contudo, a Alemanha, uma economia de base marcadamente industrial, tem perdido competitividade não só por causa da crise energética, mas também devido ao aumento dos custos laborais, às elevadas taxas de juro, ao ciclo desfavorável dos stocks e à baixa procura de bens por parte dos consumidores.

No entanto, o MEI espera que a divergência entre as economias industriais e as baseadas em serviços diminua em 2024, em comparação com 2023, uma vez que as fortes tendências desinflacionistas dos produtos relativamente aos serviços, poderão favorecer o aumento da procura de bens.

Noutro campo que tem marcado as dinâmicas económicas, o da transformação digital globalizada, as tendências refletem a mudança de preferências, mas também o profundo impacto dos avanços tecnológicos, nomeadamente ao nível do e-commerce, que deixa antever um forte dinamismo em 2024. Com as cadeias de abastecimento normalizadas, os consumidores esperam até ao último minuto para comprar com poucas restrições e adicionam mais opções ao carrinho online para experimentarem em casa.

Conforme sublinhou Michael Miebach, CEO da Mastercard, na edição deste ano do World Economic Forum, no pico da pandemia, quando importantes fornecedores locais cederam e registávamos interrupções e escassez em toda em a economia mundial, o e-commerce, continuou a crescer como se nada se passasse.

Mas a transformação digital não se fica por aqui. Entre 2010 e 2019, os fluxos de dados entre países aumentaram a uma taxa anual de 45%, e, em 2021, atingiam os três mil terabits por segundo. Um fluxo seguro e livre de dados desbloqueia inovação, estimula crescimento económico e garante acesso à informação por parte de milhões de pessoas. Este futuro pode, todavia, ser restringido pela fragmentação digital desigual e pelo impacto da IA e da cibersegurança, omnipresentes em múltiplos campos da sociedade.

Se todas estas tendências são referências sólidas, suportadas por dados, outras podem surgir em 2024. Na verdade, a situação económica global vai depender do comportamento de outras varáveis dinâmicas, como os modelos regionais de regulamentação mais ou menos assertivos, mudanças climáticas e tensões geopolíticas, as quais poderão impulsionar grandes transformações com impacto nos ecossistemas empresarial e social.

Neste contexto de certezas e incertezas, o comportamento do consumidor é sempre um denominador de influência comum a todas as variáveis e é por isso que , mais do que nunca, em 2024 será o consumidor a estar ao leme da economia.

Maria Antónia Saldanha trabalhou em consultoria, passou pela SIBS, pelo Novo Banco e pela ACEPI e é atualmente Country Manager da Mastercard em Portugal. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.