Não haja dúvidas. Ninguém consegue extorquir melhor os seus concidadãos e mendigar mais aos seus vizinhos europeus que um socialista.

Se esse socialista tiver a arte, o engenho e a cara de pau do primeiro-ministro António Costa então essa capacidade é potenciada.

Sem grande exercício de memória, quero já dizer que Passos Coelho alguma coisa pode aprender com a mais recente negociação levada a cabo por António Costa e perceber que em Portugal as prioridades deverão ser, em primeiro lugar, o poder e a manutenção do cargo e, em segundo lugar, o país (creio que estou até a ser simpático, colocando o país nesta posição e não mais abaixo).

Muito embora a crise provocada pela pandemia seja, em muitos aspectos, diferente e mais abrangente que a crise provocada pelo “subprime” em 2008, certo é que ambas foram sentidas à escala mundial e, em ambas, uma parte do dano foi provocado por acções externas e em cadeia. Nessa altura o primeiro-ministro Passos Coelho não soube renegociar a má negociação inicial ainda do tempo de Sócrates, e a prova disso mesmo foi, não só a resolução decidida à luz das velas do antigo Banco Espírito Santo, mas sobretudo a austeridade implementada em que em ambas comeu e calou.

Para se ter uma noção das proporções em causa, o PIB da economia europeia andará na ordem dos 15 biliões e 300 mil milhões de euros, correspondendo a economia portuguesa a cerca de 1,3% desse valor. A economia portuguesa é, portanto, a unha do dedo mindinho do pé europeu.

António Costa sabe que é mais a amofinação e a arreliação que cria, andando a “puxar as calças ao pai” e podendo ameaçar uma ruptura no projecto europeu, do que é complicado para a União Europeia dar um “chupa-chupa” para ele e para os “tugas” porreiros se entreterem.

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Poderá o leitor questionar: então mas se é assim porque é que os apelidados de “frugais” levantam tanto alvoroço? Imagine o leitor que todos os dias ao entrar no metro vê aquele mendigo que sempre lhe pede um euro. Nas primeiras vezes, o leitor até contribui e vê que outros também contribuem mas, ao fim de algum  tempo, e não vislumbrando qualquer razão plausível para o mendigo continuar a ser mendigo, o leitor também começará a sentir incómodo em dar esmola. Percebe também que está, de alguma forma, a contribuir para a dependência do mendigo que, com a ajuda já concedida, poderia ter implementado mudanças na sua vida para se robustecer e ganhar a sua independência.

Não está em causa a necessidade da ajuda numa situação extraordinária e num contexto específico. Está em causa perceber que Portugal, à semelhança de outros países, padece de problemas estruturais e, quase diria, fundacionais, dos quais enquanto não se libertar, continuará a andar de pedidos de ajuda em pedidos de ajuda.

Adicionalmente, Portugal recebeu nas últimas duas décadas muitas ajudas europeias. E continuamos com uma economia estagnada. É normal que quem várias vezes ajudou se questione da eficácia desses apoios.

Mas será este pacote conseguido por António Costa uma vitória? Sim e não.

Se compararmos com a capacidade negocial demonstrada pelos seus antecessores, Sócrates e Passos Coelho, podemos admitir que esta terá sido uma pequena vitória que irá atenuar e muito a austeridade que de outro modo seria sentida com maior intensidade.

Contudo, se levarmos em linha de conta as previsões da OCDE para 2020 que antecipam uma queda do PIB entre os 9,4% e os 11,3% e assumirmos um valor intermédio de 10%, estaremos a falar de uma destruição nominal do fluxo de riqueza criada de qualquer coisa como 20 mil milhões de euros. Relembrando que a ajuda da UE a fundo perdido é de 15,27 mil milhões de euros, acrescida de 10,8 mil milhões de euros a título de empréstimos, cujas condições ainda não são conhecidas, já dificilmente se poderá considerar uma vitória.

Se levarmos ainda em linha de conta que a economia portuguesa já conta com um endividamento bruto superior a 740 mil milhões de euros e que este valor só tem tendência a aumentar e a um ritmo superior ao crescimento do PIB, então o futuro não se pode considerar auspicioso e será assim sentida a tão propalada austeridade.

Tenho, no entanto, para mim que o maior problema para Portugal não é nenhum dos enunciados nem qualquer outro dado ou indicador que pudesse mencionar. O maior problema é que não se antevêem mudanças. O maior problema é mesmo sermos governados pela mesma força política que nos governa há mais tempo no pós 25 de Abril. O maior problema é sistematicamente cairmos nos mesmos erros e enveredarmos pelos mesmos caminhos. Como dizia Einstein definindo insanidade, fazemos a mesma coisa repetidamente, esperando resultados diferentes. São prova disto as duas nacionalizações recentes e também o plano de António Costa Silva, em que o governo se baseará, e que confere ao Estado ainda mais vias para poder tocar, apoiar e dirigir todos os sectores de actividade.

Costa encosta-se no encosto das costas da Europa. Esta incomoda-se, mas acaba por conceder, da mesma forma que um elefante se incomoda com as moscas, mas com elas convive até decidir ir tomar um banho de lama.

Nós devemos ficar gratos e contentes pela ajuda que agora nos foi concedida e que até se justifica, mas temos de a gerir com sapiência para no futuro não estarmos na lama. Foi isto que os ditos frugais tentaram evitar ou minimizar, que no fim de tantos mil milhões não acabássemos todos na lama.