O Chega transformou-se num partido político importante porque tem centenas de milhares de eleitores. Se nas eleições presidenciais, Ventura tivesse ficado atrás da Marisa Matias e do João Ferreira, e se o Chega tivesse apenas um deputado como o Livre, ninguém lhe dava importância. Por isso, talvez valha a pena pensar um pouco sobre as razões que levam centenas de milhares de portugueses a votarem no Chega e em Ventura.

Os eleitores do Chega são pessoas zangadas, desiludidas e cansadas. Estão desiludidos com a PSD e com o CDS, e zangados com o PS e os governos socialistas das últimas três décadas. Haverá seguramente alguns saudosistas do Estado Novo, mas a maioria são pessoas que estão insatisfeitas, sentem-se vítimas de injustiças, acham que mereciam uma vida melhor, estão revoltados com os casos de corrupção, compadrio e privilégios injustificados de quem ocupa o poder. A verdade é que os governos socialistas causaram muita insatisfação e milhares de votos de protesto.

André Ventura soube explorar e mobilizar essa insatisfação. Mas não é o culpado do crescimento da desilusão que muitos portugueses sentem. Se há centenas de milhares de votos de protesto e condições para aparecerem novos partidos com discursos populistas, é porque há uma crise do regime democrático. A maioria dos analistas não o quer reconhecer e é muito mais fácil e cómodo desvalorizar o Chega como um “partido fascista.” Mas é um erro profundo e não ajuda nada a entender o que se passa. Os erros e as injustiças cometidos pelos governos socialistas foram as principais causas do aparecimento e crescimento do Chega.

Mas o crescimento do Chega também mostra que o PSD tem sido um partido responsável. Como partido de poder, há limites para a capacidade do PSD conquistar os votos de protesto à direita. Montenegro deve liderar a oposição ao governo socialista e assim retirar votos ao Chega, mas a desilusão foi longe de mais para reduzir substancialmente o voto de protesto. O PSD não pode fazer tudo para conquistar esses votos, senão deixaria de ser um partido responsável.

Se houver uma maioria de direita entre o PSD e o Chega, os sociais democratas só terão uma solução: fazer uma coligação com o Chega para o moderar, sem nunca abdicar dos seus princípios históricos — luta pela liberdade, direitos universais, igualdade de oportunidades e justiça social. Depois, Ventura e o Chega terão que mostrar se saberão ser responsáveis e moderados. Se não souberem, o PSD terá uma legitimidade reforçada para pedir uma maioria absoluta, dizendo aos portugueses que é a única alternativa a um governo socialista.

Esta estratégia nem sequer é uma novidade. Foi o que o PS fez com o Bloco e com o PCP. E não houve grandes abalos em Portugal, apesar de comunistas e neo-comunistas serem bem mais radicais do que o Chega, como mostra a reação à guerra na Ucrânia, o acontecimento político mais importante na Europa no século XXI.

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