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Entrevista ao pedopsiquiatra Bruno Seixas, o único da sua expecialidade no sistema público a tempo inteiro em todo o arquipélago dos Açores, no hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada. 31 de Outubro de 2022 Ilha de São Miguel, Açores TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Pedopsiquiatra. SNS precisa de dezenas de médicos e de camas de internamento e não garante consultas em tempo útil

Especialistas sublinham que resposta é insuficiente. Faltam dezenas de pedopsiquiatras e de camas de internamento no SNS e a espera para consultas é, em muitos casos, longa. O investimento é crucial.

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Há faltas de camas, o tempo de espera para consultas é muito longo, é difícil fixar especialistas e há uma grande assimetria geográfica na resposta. O retrato dos cuidados prestados no SNS na área da Pedopsiquiatria não é animador. A falta de recursos é notória, alertam os especialistas contactados pelo Observador, e reflete-se na resposta prestada a crianças e jovens, numa altura em que o país despertou para a importância da saúde mental.

“São notórias as dificuldades nesta área e na oferta de cuidados, nomeadamente a falta de recursos humanos — que está relacionada com a capacidade de resposta, longe de ser a ideal“, lamenta o Presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. João Bessa salienta que essa falta de recursos “é ainda mais notória na área da saúde mental do que em outras áreas médicas — e ainda mais acentuada na Pedopsiquiatria”.

Ainda faltam 60 pedopsiquiatras no SNS

Embora o número de especialistas tenha vindo a crescer paulatinamente ao longo dos últimos anos, ainda fica bastante àquem das necessidades. Em março de 2024, o SNS tinha 142 especialistas em Pedopsiquiatria, mais um do que em 2023 e mais 11 do que os 131 que exerciam funções no final de 2021, segundo os dados enviados ao Observador pela Administração Central do Sistema de Saúde, o braço do Ministério da Saúde responsável pela contratação de médicos. Um aumento de cerca de 8% em dois anos que, ainda assim, é insuficiente para suprir a procura.

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"A capacidade de resposta está longe de ser a ideal. [A falta de recursos] é ainda mais notória na área da saúde mental"
João Bessa, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental

“O número de pedopsiquiatras no SNS está efetivamente àquem das necessidades”, diz ao Observador a Presidente do Colégio de Pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos. Teresa Goldschmidt salienta que seriam necessários pelo menos 200 especialistas, uma estimativa avançada já há seis anos no relatório do grupo de trabalho da Rede de Referenciação Hospitalar da Psiquiatria da Infância e da Adolescência, e que poderá já estar desatualizada.

“Em casa de ferreiro, espeto de pau”? Em Beja, há quem trate da saúde mental de médicos, enfermeiros e assistentes

Os especialistas distribuem-se de forma assimétrica pelo país. A grande maioria está concentrada nos grandes hospitais do litoral, entre Lisboa e o Porto. No resto do território, a resposta é incipiente. Entre as regiões mais carenciadas está o interior norte e centro, Alentejo e Algarve. A sul de Lisboa, a resposta é quase inexistente: há apenas um pedopsiquiatria a tempo inteiro, no Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, e outro especialista a tempo parcial, no Hospital de Faro.

Resposta é assimétrica e quase inexistente a sul

Em resposta ao Observador, a Unidade Local de Saúde do Algarve admite que o contrato desse médico, em regime de prestação de serviços, prevê a realização de 50 horas de trabalho mensais, mas salienta que, na região, a resposta nesta área “é complementada, ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, com os Grupos de Apoio à Saúde Mental Infantil, com abrangência dos 3 aos 11 anos, que têm supervisão de um psiquiatra da Infância e Adolescência”. Perante a falta de resposta, muitas crianças são encaminhadas para o Hospital Dona Estefânia, em Lisboa.

No sul, a situação é muito preocupante. E há outros exemplos de serviços com recursos muito limitados”, alerta o Presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Em Portalegre, no Alto Alentejo, há apenas um especialista. E o mesmo acontece nos Hospitais da Covilhã e de Bragança (no interior centro e norte). Também nos Hospitais de Tomar, Santarém e Vila Franca de Xira só existe um pedopsiquiatra, avança Teresa Goldschmidt.

“Estamos a funcionar por carolice.” As queixas de solidão, cansaço e falta de apoio no sistema de saúde dos Açores

Nos Açores, a situação é a mesma: há apenas um psiquiatra a tempo inteiro, no Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, confirma ao Observador a Secretaria Regional da Saúde e Segurança Social dos Açores. Na segunda maior ilha do arquipélago, a Terceira, dois outros especialistas prestam serviço a tempo parcial.

15 dos 34 hospitais não garantiam uma consulta num prazo inferior a 150 dias, o máximo definido pelas diretrizes da Entidade Reguladora da Saúde

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

A falta de especialistas faz com que o tempo médio de espera para uma consulta de prioridade normal exceda o Tempo Máximo de Resposta Garantido em quase metade dos hospitais onde se realizam consultas de Pedopsiquiatria. Segundo os dados do Portal dos Tempos de Espera do SNS, referentes ao último trimestre de 2022, 15 dos 34 hospitais não garantiam uma consulta num prazo inferior a 150 dias, o máximo definido pelas diretrizes da Entidade Reguladora da Saúde. O Hospital de Braga é aquele onde o tempo de espera é mais elevado: quase um ano (357 dias), seguido pelo Hospital de Beja (299) e pelo Hospital de Santarém (275).

Faltam dezenas de camas de internamento em Pedopsiquiatria

A assimetria da resposta do SNS não se verifica apenas nas consultas. “O internamento e as urgências estão muito concentrados em centros urbanos. Há muitas áreas deficitárias“, diz o psiquiatra João Bessa, médico no Hospital de Braga. No que diz respeito ao internamento, há em Portugal quatro unidades: no Hospital de Santo António (no Porto), nos Hospitais de Coimbra, no Hospital Dona Estefânia (em Lisboa) e no Hospital Júlio de Matos (também em Lisboa) — num total de 44 camas, que têm de cobrir todo o país. Também aqui a resposta é deficitária. Segundo a presidente do Colégio de Pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos, seriam necessárias 72 camas de internamento.

Apenas três serviços de urgência em todo o país

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Para além das consultas e do internamento, há um terceiro vetor da resposta na área da Pedopsiquiatria: a urgência, que dá resposta a situações agudas e de descompensação. Neste momento, há três serviços de urgência no SNS: na região norte, no Hospital de Santo António, no Porto. Na região centro, no Hospital Pediátrico de Coimbra e a sul no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa.

Todos funcionam apenas durante o horário diurno, das 8h às 20h. Em março de 2023, criou polémica o fecho no período noturno da urgência de Pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia, o único aberto em permanência. A decisão foi tomada pela Direção Executiva do SNS e contestada por muitos médicos e pelo então diretor da Pediatria, Gonçalo Cordeiro Ferreira.

É precisamente o Hospital Dona Estefânia a unidade de referência para toda a região sul. Para além de dar resposta à sua área de ação, faz consultas a utentes vindos da Unidade Local de Saúde do Algarve, da ULS do Alentejo Central (que engloba o Hospital de Évora) e também da ULS do Médio Tejo (que integra os hospitais de Abrantes, Tomar e Torres Novas). “A ausência de pedopsiquiatras na Região de Évora, Médio Tejo e Algarve aumentou o número de pedidos”, diz ao Observador a ULS de São José (que inclui o Dona Estefânia). Não é só a área das consultas que se encontra sob pressão. O internamento está constantemente lotado, disse ao Observador fonte da unidade hospitalar, e existe lista de espera.

A unidade de internamento para adolescentes do Hospital Pulido Valente, com capacidade para receber 12 doentes em simultâneo, e que poderia ajudar a alivar a pressão sobre o Hospital Júlio de Matos, está pronta desde o início de 2023 mas ainda não abriu portas, confirmou o Observador junto da ULS de Santa Maria (estrutura a que pertence o Pulido Valente). Em causa as dificuldades na contratação de profissionais, que se mantêm há largos meses.

A ULS de São José admite “dificuldade na captação de profissionais médicos e na sua fixação na especialidade da Pedopsiquiatria” e adianta que, “por falta de autorização para contratação”, as mesmas dificuldades se evidenciam também na contratação de profissionais não médicos, nomeadamente enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, psicomotricistas, musicoterapeutas e educadores/professores.

"Não se pode falar de um problema de captação, mas sim de fixação" de especialistas
Teresa Goldschmidt, presidente do colégio de Pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos

No que diz respeito aos pedopsiquiatras, as dificuldades em atrair e fixar profissionais estendem-se a todo o país, o que prejudica o acesso das crianças e jovens com problemas de saúde mental. “A acessibilidade à urgência, à consulta e ao internamento continuam com grandes limitações”, sublinha João Bessa, realçando que é necessário “tornar as carreiras atrativas e garantir condições no SNS”.

Especialidade capta interesse dos jovens mas dificuldade de fixação é grande

No ano passado, dos 14 médicos que terminaram a formação especializada foram contratados apenas 11 recém-especialistas, detalha a ACSS. O Observador perguntou à ACSS por que razão não aumentam as vagas colocadas a concurso (tendo em conta a reconhecida necessidade de aumentar o número de especialistas nesta área) mas não obteve resposta.

Teresa Goldschmidt, que é também diretora do Serviço de Pedopsiquitria do Hospital de Santa Maria, sublinha que, neste momento, é difícil, sobretudo, fixar médicos no SNS. “A especialidade de Psiquiatria da infância e da adolescência [ou Pedopsiquiatria] tem vindo a registar um interesse crescente por parte médicos recém-licenciados que procuram de forma crescente a especialidade para a realização da sua especialização. Nesse sentido, não se pode falar de um problema de captação, mas sim de fixação”, diz a médica. Os números da ACSS confirmam-no. Havia, em março de 2024, 89 internos em formação, o maior número dos últimos anos.

O problema é que muitos pedopsiquiatras vão abandonando os hospitais públicos para se fixarem no setor privado (num movimento comum a outras tantas especialidades médicas), onde a oferta de cuidados nesta área tem vindo a aumentar de forma exponencial. “Na psiquiatria da infância e da adolescência, a dificuldade de fixação será similar à de outras especialidades, com a saída de médicos para o setor privado ou para o estrangeiro, onde podem ter melhores condições de trabalho, ou um maior equilíbrio entre vida profissional e familiar, e auferir salários mais elevados”, explica a presidente do Colégio de Pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos.

"Crianças e pais acabam por procurar essa resposta fora" do SNS, admite o psiquiatra João Bessa

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Uma tendência que só pode ser travada, sublinha João Bessa, com “carreiras atrativas e com condições no SNS”. Até lá, diz João Bessa, “é quase inevitável que a dificuldade de recrutamento do SNS se reflita no setor privado”. “Crianças e pais acabam por procurar essa resposta fora”, vinca o especialista e professor da Escola de Medicina da Universidade do Minho.

“As condições de trabalho, nomeadamente as equipas multidisciplinares, são muito importantes para criar um contexto de trabalho mais gratificante, facilitador da permanência dos médicos”, realça Teresa Goldschmidt, numa alusão às já referidas dificuldades em constituir equipas multidisciplinares, o que motiva a saída de médicos.

Em Coimbra, o cenário de falta de recursos repete-se. “É necessário um aumento dos recursos humanos. Para dar uma resposta adequada a todas as solicitações do serviço, o ideal seria o aumento do número de pedopsiquiatras, psicólogos (pelo menos, mais três), assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e um psicomotricista”, diz ao Observador a diretora do serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Pediátrico da Unidade Local de Saúde de Coimbra. Neste momento, o serviço conta com 13 pedopsiquiatrias, quatro psicólogos e apenas um assistente operacional para dar resposta a toda a região Centro. Carla Pinho sublinha também a falta de condições físicas: eram necessários, realça, mais gabinetes, nomeadamente para desenvolver terapia ocupacional, para falar com as famílias e de apoio ao internamento.

Três unidades de internamento psiquiátricas, prontas há meses, não abrem por falta de profissionais

De norte a sul, os responsáveis pelos serviços de Pedopsiquiatra reclamam mais recursos para responder ao avolumar da procura, que aumentou significativamente desde a pandemia. “Temos dificuldades impostas por uma procura crescente, sobretudo depois da pandemia”, realça Teresa Goldschmidt. “Tem havido um aumento progressivo na procura de cuidados na Pedopsiquatria, condicionada muito pelo contexto — o exemplo mais próximo foi a pandemia de Covid-19″, vinca João Bessa.

Equipas comunitárias não resolvem problemas de “forma estrutural”

No entanto, não está à vista uma resolução rápidas das carências nesta área. O Programa Nacional para a Saúde Mental promoveu, em 2021, a criação de 20 equipas comunitárias (compostas por pedopsiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, técnicos de serviço social e assistentes técnicos), a formar até 2025. O objetivo é aproximar os cuidados de saúde mental das crianças e jovens em zonas mais carenciadas. No ano passado, foram criadas as primeiras cinco equipas — nos Hospitais de Vila Real, Viana do Castelo, Leiria, Setúbal e Beja. Um reforço que, para já, ainda é insuficiente e que precisa de ter continuidade, dizem os médicos.

São um número muito limitado e não vão resolver os problemas de forma estrutural. É essencial e estratégico haver um investimento a nível nacional nos cuidados”, diz o presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Estas equipas “permitem uma articulação efetiva com a comunidade, e uma maior adequação das intervenções em proximidade, mas é necessário que possam continuar a ser implementadas”, alerta a presidente do colégio de Pedopsiquiatria da Ordem dos Médicos.

O Observador contactou o coordenador Nacional das Políticas de Saúde Mental, Miguel Xavier, que se recusou a prestar declarações sobre o evoluir das reformas dos serviços de saúde mental — nomeadamente sobre a constituição das equipas de saúde comunitárias, com recurso a mais de 80 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência — devido ao situação indefinida em que se encontra a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental, cuja atividade cessou, alega Miguel Xavier, com a saída do anterior governo.

 
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