1. “Se eu for eleita Presidente de França, a União Europeia vai morrer, porque os povos não a querem mais”. As palavras são de Marine Le Pen.

2. Amanhã, o Reino Unido pedirá formalmente para sair dessa mesma União. O dia 29 de Março de 2017 ficará na História. O “brexit” vai começar.

É certo que ao propor o referendo que levou ao “brexit”, David Cameron não terá contemplado como desfecho provável o fim da União. Mas se Cameron julgava não correr riscos ao aceitar o referendo à independência escocesa perante sondagens que consideravam improvável um resultado que não fosse a vitória da continuidade da União Britânica, o mesmo não se passou com o referendo à União Europeia (UE): conhecia o risco mas preferiu corrê-lo para domar as alas mais conservadoras do seu partido e obter um acréscimo de legitimidade popular.

Assim ganhou as eleições, assim perdeu o poder.

Cameron estava aliás convencido que a sua participação no referendo a favor da continuação do país na UE obstaria às pretensões do “Leave”. É curioso como os políticos em geral continuam a desvalorizar o cepticismo dos cidadãos em relação a si e ao que defendem. Como se, desesperados por afeição popular, rejeitassem liminarmente a sua falta. A UE precisa de recuperar um lugar no coração dos europeus; que estes se apropriem dela e a assumam como um garante da paz, da liberdade e da prosperidade. Quanto mais for atacada por políticos, seguros de que com populismo ganham votos e poder, assinando a sua certidão de óbito ou propondo caminhos tíbios e sem grandeza, melhor para ela, afinal.

Uma União pode estar a viver os últimos anos. Mas não será, estou seguro, aquela a que Marine Le Pen se refere: antes da UE, pode o “brexit” resultar no fim do Tratado que uniu a Escócia e a Inglaterra em 1707 sob o nome “Reino Unido”. Seria uma ironia da História a União Europeia reforçar-se como resposta dos europeus à saída de um Reino entretanto desagregado. Infelizmente, é um cenário verosímil.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

3. O “brexit” vai começar; seguem-se (menos de) dois anos de negociações difíceis. Vê-se mal como poderá emergir uma base de entendimento racional:

O governo de Theresa May quer sobretudo definir a relação comercial futura com a UE. E é elevada a possibilidade de um “hard brexit”, uma saída limpa, que deixaria o país sem acesso ao mercado interno europeu, seu principal cliente e fornecedor, para além das regras genéricas da Organização Mundial do Comércio. A UE preocupar-se-á primeiro com os termos da saída, incluindo as responsabilidades financeiras das partes. Antes das relações futuras, os negociadores europeus quererão fixar as regras da saída e as do período de transição. Só depois, talvez em 2018, estarão dispostos a negociar o futuro, sob forma de um acordo de comércio livre.

Por outro lado, os britânicos querem obter o melhor acordo possível, provando que há vida para além da União, uma vida melhor. E Theresa May já disse preferir não fazer acordo a um mau acordo. Como bem se entende, a União tem um interesse oposto. Qualquer sinal de um “exit” positivo para quem sai terá um efeito de contágio. Ou seja, a alternativa parece ser entre um mau acordo ou acordo nenhum. O que estará excluído é… um bom acordo, que seria sempre mau para a outra parte.

Em qualquer caso, ao fim de cerca de 18 meses se saberá que perspectivas existem. O governo britânico decidirá sem ter de se submeter ao Parlamento britânico. Na falta de um bom acordo, serão imensas as dificuldades políticas (internas) para o executivo.

Sobre o “brexit” não pode haver segundas opiniões: é péssimo para a UE, e é-o para o Reino Unido. Essa é a razão por que decisões sobre assuntos complexos e controversos não devem ser tomadas em referendo. Foi para que elas pudessem ser tão informadas e sustentadas quanto possível que se criou a democracia representativa.

4. Os adversários da UE chamam-lhe nomes. Centralizadora, burocrática, obsoleta. Le Pen fala de um sistema que oprime e brutaliza! É extraordinária, mas ao mesmo tempo reveladora, a linguagem usada pelos inimigos da liberdade, da tolerância, da união e da paz. E é normal que a critiquem, pois são seus inimigos, como em tempos o foram o fascismo nazi, o comunismo soviético e todos os autoritarismos do planeta.

Como é normal que os democratas a defendam e salientem o que ela trouxe de positivo aos povos europeus: 70 anos de paz, prosperidade e relevância global. Liberdade de viver, estudar, viajar no pequeno-grande continente europeu. Liderança ambiental, na inovação, defesa dos consumidores, igualdade de género, direitos humanos.

A discussão sobre a UE pode resumir-se a uma única interrogação: querem os europeus continuar unidos num espaço de livre circulação, com as políticas que lhe dão sustentabilidade, ou preferem regressar à soberania plena e ilusória dos seus Estados-nação, com fronteiras, barreiras à livre circulação e proteccionismo? Sós ou unidos, perante um Mundo global muito maior do que o seu continente? Face a um planeta de 7.500 milhões de pessoas, 700 milhões de europeus encaram o seu destino. É uma escolha simples de fazer, enorme de consequências.

5. Uma última e pessoal reflexão, sob forma de pergunta: como pensam as pessoas bem-intencionadas, seduzidas pelo canto de sereia das retóricas totalitárias, que será uma Europa de novo dividida por fronteiras, egoísmos nacionais irredutíveis e sem liberdade senão a que resultar de acordos laboriosos em que os mais fracos serão presas fáceis dos mais fortes?

Eu sei a resposta: ela está no nosso passado, trágico, violento e desigual.