1 Se pensa que este é um artigo sobre o regresso de Passos Coelho, pare de ler imediatamente e siga para outro artigo do Observador. Não só renego sebastianismos políticos, como entendo que muita água terá de correr por debaixo da ponte até ser possível equacionar a viabilidade do regresso do líder do PSD mais popular desde Cavaco Silva.
Veja-se o atual momento político. Se olharmos para as seis sondagens publicadas em dezembro, como a da credível Pitagórica para o Observador e para a TVI, só podemos retirar as seguintes conclusões factuais:
- Ao fim de nove meses de uma crise pandémica global que já matou mais de sete mil pessoas em Portugal, que provocou uma recessão económica que deverá levar o PIB a descer mais de 9% e que tem sido gerida de forma notoriamente incompetente por parte do Governo de António Costa, o PS mantém a liderança confortável em todas as sondagens. Mais: há estudos de opinião que dão os socialistas no limiar da maioria absoluta.
- O PSD de Rui Rio não descola em nenhuma sondagem, nem é claro que consiga ultrapassar os 30% no caso de eleições antecipadas.
- Em algumas sondagens, a direita unida não vale mais do que o PS. E em nenhuma consegue aproximar-se da maioria absoluta. Sendo certo que todas demonstram o definhamento catastrófico do CDS, a ascensão do Chega a quarto partido nacional, ultrapassando o PCP e aproximando-se do Bloco de Esquerda, e a subida lenta mas sustentada da Iniciativa Liberal.
Se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa avisou em novembro que “contam-se pelos dedos os responsáveis políticos que em tempos de pandemia são reeleitos”, certo é que as sondagens demonstram que o PS de António Costa não tem sofrido tal desgaste. O início do fim de ciclo que se perspetivava em setembro/outubro, não se confirmou. Outra prova disso são os índices de popularidade e de confiança claramente positivos que o próprio primeiro-ministro continua a ter.
E porque razão isso acontece?
2 O Governo tem sido manifestamente incompetente na gestão da crise pandémica. Desde a ‘surpresa’ de março sobre a chegada da Covid-19, passando pela incompetência com que geriu a reabertura da economia em maio/junho e acabando na forma como não preparou o país para a rentrée de setembro, agravando os efeitos da segunda vaga — muitos erros foram cometidos e praticamente nenhum foi reconhecido.
Mas mais do que os erros do Executivo de António Costa, o que conta é a alternativa que existe aos olhos dos portugueses — e aqui reside a explicação para os bons resultados do PS nas sondagens.
É verdade que Rui Rio mudou de estratégia, abandonou o espírito de cooperação com o PS e passou a ser mais líder da oposição do que candidato a vice-primeiro-ministro de António Costa. Também é verdade que o PSD conseguiu ganhar as eleições regionais dos Açores e constituir Governo com uma aliança com o CDS e com o PPM e o apoio parlamentar do Chega e dos liberais.
Mas não é menos certo que a alternativa do PSD continua ser um deserto de ideias. E aqui é que está o ponto.
O eleitorado móvel do centro — aquele que Rui Rio quer atingir desde o início — não só recusa acreditar que o líder social-democrata seja capaz de fazer melhor do que António Costa, como também ainda não viu um projeto que seja verdadeiramente alternativo. Uma tarefa complexa, refira-se, quando Rio não tem ideias muito diferentes das de António Costa.
Àparte de declarações (mais provocadoras do que sentidas) sobre deixar ir a TAP para liquidação ou sobre a defesa do setor privado como motor do crescimento económico e a necessidade baixar os impostos, a perceção dos eleitores é que Rui Rui é essencialmente um social-democrata como António Costa. Logo, é natural que não o vejam com uma alternativa que seja mais bem sucedida.
Essa perceção não deixa de ser um castigo irónico pela guerra que Rio e os seus apoiantes originais Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira fizeram a Pedro Passos Coelho. Tanto o acusaram de tentar desvirtuar o suposto ideário social-democrata do PSD que Rui Rio é essencialmente visto como um anti-liberal — ideia reforçada com o seu pensamento sobre a Justiça e a comunicação social.
3 É esta ausência de alternativa política que tem feito com que António Costa se aguente bem nas sondagens e beneficie ainda de uma certa união em redor da bandeira por via da crise pandémica única.
É muito difícil projetar o futuro próximo, tamanhas são as incógnitas. Por exemplo, a evolução económica está diretamente dependente de como evoluirá a aplicação do programa de vacinação. Quando teremos vacinas suficientes para cumprirmos as diferentes fases de tal programa? Podemos contar com a imunização de grupo no final do verão ou pode haver um deslizamento dos prazos?
Outros exemplos: partindo do princípio de que será muito difícil atingir os 5,4% de crescimento económico que o Governo prevê, qual será o diferencial? Quais serão as consequências da crise económica em termos de falências e desemprego? Os bancos conseguirão aguentar os incumprimentos após o fim das moratórias ou necessitarão de ajudas públicas? E o dinheiro da bazuca, chega antes do final do ano?
As incógnitas são tantas que mesmo um bruxo tem dificuldade em adivinhar o futuro dos próximos 12 meses. E dessas respostas depende a evolução do próprio ciclo político em 2021 que será marcado por eleições presidenciais a 24 de janeiro e autárquicas em outubro — um ciclo apenas parcialmente favorável ao PSD.
Se é certo que Marcelo será eleito já em janeiro à primeira volta, também é garantido que, seja qual for o cenário que quiserem escolher (número de câmaras, número de mandatos ou número de votos), o PS vai ganhar as eleições autárquicas — o que dificulta a mudança de ciclo político.
Aliás, mais uma prova de como o PSD de Rui Rio é um partido amorfo, sem chama nem qualquer apelo à mudança, é o facto de estarmos a nove meses das eleições e ainda não serem conhecidos os candidatos social-democratas a Lisboa e ao Porto.
4 O que nos traz a uma questão de médio prazo relacionada com as legislativas de 2023: pode a direita retirar o PS do poder? A pouco mais de dois anos e meio de distância, a resposta possível é esta: mesmo que a direção de Rui Rio sonhe com a repetição do cenário dos Açores, é muito pouco provável.
Para que tal desgaste político se verificasse, seria necessário que o ano de 2021 corresse efetivamente muito mal ao Governo, seja na gestão da crise pandémica, seja nas suas consequências económicas e sociais.
Por outro lado, temos a tradição dos segundos mandatos presidenciais serem muito mais interventivos do que o mandato inicial — e o facto histórico de Soares e Sampaio ‘terem deixado’ o PS no poder quando saíram e de Cavaco Silva ter tido mesma sorte com o PSD de Passos Coelho. Um Marcelo mais interventivo poderá dar uma ajuda no desgaste político do Governo de António Costa.
Uma última questão: mesmo que tudo corra de feição para Rui Rio, para que servirá um Governo por si liderado? Para reformar o país, dotá-lo de instrumentos que lhe permitam enriquecer e chegar ao nível médio o poder de compra europeu? Para ter uma economia competitiva com interesse para os investidores internacionais? Para ter salários dentro da média europeia que não sejam sugados pelos impostos cada vez mais crescentes?
Temo que as respostas a todas estas perguntas sejam negativas — o que compromete um ponto essencial: a direita só regressará ao poder quando oferecer ao país uma verdadeira visão reformista que permita interromper o ciclo de empobrecimento do país seguido nos últimos 20 anos em Portugal.
Com Pedro Passos Coelho ou sem Pedro Passos Coelho.
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