“É a nova estrela da política nacional”. Era assim que o Expresso, há menos de um mês, introduzia uma entrevista à deputada Joacine Katar Moreira. A estrela, entretanto, eclipsou-se. A controversa conta de Twitter foi apagada. O originalíssimo assessor igualmente silenciado. Mas é importante entender como é que alguém que hostilizou a imprensa durante a campanha eleitoral, polarizou o debate em torno de si mesma e se diz anti-colonial num parlamento onde felizmente não há partidos colonialistas chegou aqui. E meu caro leitor, deixe-me que lhe diga, a culpa não foi só dela.
Com uma campanha em torno da sua raça e de políticas identitárias, birras por outros candidatos receberem mais protagonismo na capa de um jornal e amuos nas redes sociais quando a tratavam por tu, a popularidade de Joacine foi de uma persistência notável. Das escassas vezes que a criticaram, respondeu com acusações e colagens à “extrema-direita”, incluindo a personalidades que sempre combateram a extrema-direita. Às perguntas inconvenientes, naturais numa democracia, pediu que não a irritassem nem perturbassem o seu trabalho, sendo verdadeiramente hilariante imaginar o que aconteceria se um assessor de um partido não-socialista, publicamente maçom, chamasse um GNR para escoltar o seu deputado diante de um jornalista.
O episódio, apesar de tudo, contribuiu para pôr termo ao casulo acrítico antes concedido a Joacine.
O modo delirante como declarou ter vencido “as eleições sozinha”, num partido jovem que já contou com rostos como Rui Tavares, Ana Drago, Daniel Oliveira e múltiplos anónimos empenhados no seu percurso, não foi somente prova da ingratidão de Joacine face à bondade com que o espaço público a acolheu na vida pública, foi um momento de puro fracasso da democracia direta como forma de seleção de candidatos à Assembleia.
Na edição de dezembro da revista The Atlantic, um ensaio sobre as eleições primárias nos Estados Unidos explica ao milímetro as consequências deste modelo. “Um político detém uma perspetiva excecional para avaliar as capacidades, as ligações, o bom-senso e a responsabilidade para governar capazmente. Os eleitores precisam desse seu auxílio. Sem uma visão interna, o processo de nomeação torna-se vulnerável a manipulações de plutocratas, celebridades, figuras mediáticas e celebridades. Como forma de entretenimento, o sistema de primárias funciona bastante bem; como meio de avaliação de candidatos é inconfiável e até perigoso”. Familiar, não?
Se o Livre quiser sobreviver como Livre, e não repetir as humilhações do último mês, terá de repensar as primárias – em que qualquer um se arrisca a ganhar – como mecanismo de escolha dos seus deputados. Caso contrário, é previsível que tendências populistas e radicais como Joacine Katar Moreira se apoderem facilmente de posições de relevância dentro do partido e da sua representação eleitoral.
O amadorismo com que o Livre lidou com as votações, respondendo à pressão das reações no Facebook com comunicados institucionais, rompendo com a deputada sem falar com ela, deixando-a levar uma equipa exclusivamente sua para o parlamento, etc. são resultado de uma compreensível inexperiência política, não da sobranceria da própria Joacine.
Digo-o por considerar o Livre um projeto com potencial num regime de esquerda eurocética ou oportunista no seu europeísmo, de partidos tradicionais infectados pela corrupção e perante um PS distante da sua história parlamentar e liberal. E digo-o, sobretudo, porque ao contrário de Rui Tavares – que se aproveitou do iliberalismo de Viktor Orban para sucessivamente colar a ala conservadora do Partido Popular Europeu ao PSD e ao CDS – consigo não chamar podre à árvore de onde cai uma má maçã.