Ao contrário do que se tem dito, racismo não é quando um homem quiser. Se fosse, os tribunais nem seriam chamados a julgar se uma declaração ou gesto é racista: bastava a palavra do ofendido e o assunto morria ali, com a devida distribuição de condenações e multas. Por coerência, aliás, esse extraordinário princípio aplicava-se a uma data de crimes. Doravante, o sujeito vigarizado não precisaria provar a vigarice, bastando jurar pela sua saudinha para meter o vigarista na cadeia – ainda que o vigarista, coitado, desconheça por completo o vigarizado e entre na cela a espernear inocência. Faz sentido? Nenhum, mesmo que as autoproclamadas vítimas sejam pessoas impossível e idealmente confiáveis. Agora imaginem que a autoproclamada vítima é o dr. Costa. E riam com gosto.

O riso é a reacção natural e imediata ao “racismo” que, a 10 de Junho, o dr. Costa “viu” nos cartazes do Peso da Régua. Mas depois lembramo-nos do Peso do Esquadro socialista e apetece chorar. Informada das caricaturas que os professores empunhavam desde Fevereiro, a central de propaganda do partido, que com a central da corrupção é a única coisa que ali trabalha em condições, previu as circunstâncias, compôs a cena e num ápice lançou os serviçais a gritarem na “net” que Sua Excelência, o primeiro-ministro, acabara de ser alvo de enxovalho racial no antigo Dia da Raça. Claro que a representação “suína” é recorrente nas sátiras ao poder e nunca possuiu qualquer conotação étnica. Não importa: o PS ordenou e os serviçais obedeceram com o zelo do costume, sem pararem para pensar no ridículo da situação. Esta gente não pára nem pensa.

Os que param e pensam um bocadito, embora não o suficiente para desagradar ao chefe, optaram por desvalorizar a questão do “racismo” e seguir pela via do “mau gosto”. Os cartazes são de “mau gosto”, explicaram diversos especialistas em estética, incluindo o moço que, no Expresso de há quatrocentos anos, enfiou um preservativo no nariz do Papa e reduziu Netanyahu a um cão. Talvez sim, talvez não. Faço três perguntas: quem decide? Que interessa? Quando é que, em décadas ou séculos, os protestos civis primaram pelo “bom gosto”? Suspeito que quando a imagem de Pedro Passos Coelho era enfeitada com o bigode de Hitler, um exercício de sofisticação renascentista.

Obviamente, o problema não está nos cartazes. O problema está no respectivo alvo: não é admissível criticar o dr. Costa. Aliás, é essa a impressão que o episódio da Régua pretende infiltrar no famoso “inconsciente colectivo”, a de que há limites, e a de que tais limites se ultrapassam no momento em que se perde o respeitinho, e a subserviência, perante o Glorioso Chefe. É certo que, à superfície, o simulacro de indignação também ajudou a depreciar as manifestações dos professores. E a distrair da TAP, do SNS, da Justiça, da inflação, dos juros, do fisco, da baderna geral e da penúria crescente. Porém, o real objectivo da histeria é anunciar novos tempos, tempos em que insultar caciques constitui blasfémia. Por enquanto, a sanção é apenas social. A julgar pelos esforços do dr. Santos Silva em atropelar a liberdade de expressão e pelos juristas que acham os cartazes dignos de pena (de prisão), não tarda que a sanção se torne de facto penal. O episódio da Régua foi um teste, e correu bem ao PS.

Após conquistar o país “institucional”, o PS cuida de calar o pedaço que sobra. A tarefa de esquartejar isto entre negociatas e incompetência exige impunidade, que está garantida, e agradece sossego, que se tenta garantir. Conforme se atesta por exemplo na Venezuela, governar uma nação rumo ao desastre não é compatível com as reclamações da ralé. É preferível que a maioria silenciosa permaneça literalmente silenciosa. E temerosa. Por recearem humilhação pública, e – ai, Jesus! – acusações de “radicalismo”, muitos já assimilavam as directivas do PS sobre os “extremos” em que não votar (suprimindo 12% dos eleitores) e sobre as “causas” a abraçar (os delírios “de género” e similares). Agora somos instruídos sobre as boas maneiras de discordar, a etiqueta do queixume. E parte da própria “direita” acata tudo para parecer bem.

Não é grande ideia. Não convinha que o avassalador domínio material do PS se alargasse ao domínio “simbólico”. Não dava jeito que, além de esvaziar-nos o bolso, o PS nos empobrecesse o espírito com tamanha facilidade. É por isso que, ao invés de um episódio a esquecer, os cartazes do dr. Costa devem ser lembrados. E exibidos até à exaustão, nas “redes sociais”, nas chapeleiras dos carros, nas mesas dos escritórios, nas t-shirts de Verão, nas varandas dos apartamentos. Na América, é frequente ver casas humildes ornamentadas com enormes bandeiras que rezam: “F… Biden!”, e sem as reticências. A humildade não é sinónimo de resignação ou medo. Riam do “racismo” e ignorem o “mau gosto”. Péssimo gosto tem o socialismo: sabe a opressão e miséria.

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