1 Há dois factos claros que ficam das autárquicas de 2021. O primeiro é matematicamente e politicamente factual: o PS ganhou as eleições autárquicas pela terceira vez consecutiva conquistando mais autarquias e mais freguesias do que o PSD. Os socialistas terão perdido um pouco mais de 10 autarquias (à hora a que escrevo os resultados ainda não estão fechados) mas mesmo assim mantém uma confortável vantagem de quase 40 autarquias face ao PSD.

O PSD, por seu lado, perdeu as eleições autárquicas mas Rui Rio sai reforçado em termos de perceção política interna do próprio partido. Isto é, sobe em relação ao resultado de 2017 (mais de 10 presidências de câmara, mais freguesias, mais votos urbanos e nacionais) e conquista autarquias relevantes como Lisboa, Coimbra, Funchal e Portalegre.

É verdade que as empresas de sondagens são uma das derrotadas da noite (com a enorme vantagem que davam ao PS em Lisboa e os empates técnicos em Coimbra e em Almada que não se concretizaram) mas são esses mesmos inquéritos de opinião que ajudaram a criar esse efeito de surpresa e a perceção de um “excelente resultado” do PSD, como Rio fez questão de realçar.

Daí a pergunta óbvia: o resultado das autárquicas, nomeadamente a vitória de Carlos Moedas em Lisboa, pode significar uma mudança de ciclo eleitoral?

2Não estamos de todo em todo perante uma hecatombe eleitoral do PS semelhante à que aconteceu em 2001, em que o PS , ao fim de seis anos do Governo Guterres, foi copiosamente derrotado em Lisboa, Porto e nas principais cidades do litoral, ficando a 46 autarquias do PSD e das coligações de direita.

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É verdade que António Costa apostou muitas fichas nestas eleições, tentando capitalizar a todo o custo o contexto favorável ao Governo: o controlo da pandemia, o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e uma oposição profundamente enfraquecida. De facto, Costa ‘nacionalizou’ estas autárquicas.

E ‘nacionalizou’ mal, muito mal. Tentando fazer do PRR um programa ao serviço do PS e dos seus candidatos autárquicos (quando os portugueses estão historicamente escaldados com a corrupção e o mau aproveitamento dos fundos europeus) e interpretando o exercício do poder de uma forma muito próxima da de José Sócrates (que adorava “dar lições” a empresas privadas e mostrar que era ele o PS e o que mandavam, como Costa fez com a Galp). Ao fim e ao cabo, António Costa quis mostrar o PS como o verdadeiro dono disto tudo, como escrevi aqui.

Essa arrogância terá tido, certamente, influência no resultado de Lisboa e, nesse sentido, foi derrotada. Por isso mesmo, António Costa deveria ter tido a humildade de reconhecer na noite eleitoral que tinha percebido a mensagem do eleitorado. Optou apenas por reconhecer o cansaço dos seis anos do Governo socialista e os efeitos da pandemia. Eventualmente a resposta prática à insatisfação do eleitorado passará por uma remodelação após a aprovação do Orçamento de Estado que tentará dar um novo fôlego ao Executivo.

3Para que existisse uma clara perceção de mudança de ciclo eleitoral era necessário que a vitória em Lisboa fosse uma vitória de Rui Rio. E não é. Contra todas as sondagens (e até contra a direção nacional de Rio), Moedas acreditou na vitória até ao último segundo e fez uma campanha porta-a-porta com a sua equipa. Contra todos os analistas e comentadores — nos quais me incluo com a admissão inequívoca de que estava errado —, Moedas apostou num registo de campanha sóbrio e positivo que contrastou com a agressividade de Fernando Medina nos debates televisivos. Tudo isso deu resultado no dia das eleições.

Por outro lado, Rui Rio raramente esteve com o candidato à Câmara de Lisboa. Apareceu apenas um dia, com Francisco Rodrigues Santos ao lado. Diga-se de passagem que Moedas quis (e agradeceu) esse distanciamento, de forma a não ser ‘contaminado’ com a péssima imagem de Rio.

Por tudo isto, e parafraseando a frase dita este domingo à noite por Fernando Medina quando assumiu pessoalmente a responsabilidade pela derrota, a vitória do ex-comissário europeu é claramente “pessoal e intransmissível”.

Mais: é importante recordar o papel essencial de Rui Rio para que a Iniciativa Liberal não se tenha juntado à coligação de Moedas. A história foi aqui explicada pelo Observador e é possível dizer neste momento que Moedas poderia ter ganho a Câmara de Lisboa de forma mais expressiva, se tivesse tido o apoio dos liberais. Agora o novo presidente da autarquia terá procurar consensos com o PS, PCP e o Bloco de Esquerda.

4 A única hipótese de a vitória em Lisboa poder levar a uma mudança de ciclo eleitoral passará sempre por uma candidatura de Carlos Moedas à liderança do PSD — uma oportunidade política que o ex-comissário europeu conquistou por mérito próprio.

É verdade que Moedas deu a entender que poderá ir mais longe ao afirmar que o “novo ciclo não acaba em Lisboa” mas não nos podemos esquecer de que vai iniciar um mandato autárquico da principal cidade do país. Não é politicamente correto prometer dedicar-se em exclusividade à gestão da autarquia e passado pouco tempo (mais concretamente em janeiro de 2022), candidatar-se a líder da oposição. A história demonstra que já tivemos um líder da oposição como presidente da Câmara de Lisboa (Jorge Sampaio eleito em 1989 e em 1993) e não correu bem: Cavaco Silva renovou a maioria absoluta em 1991.

Uma questão diferente é o futuro presidente da Câmara de Lisboa apoiar outros candidatos à sucessão de Rui Rio, como Paulo Rangel, Jorge Moreira da Silva ou Luís Montenegro. Uma questão a acompanhar.

5 Outro facto político relevante destas autárquicas é a confirmação da queda da CDU. Perdeu cinco autarquias, das quais se destacam Loures e a Moita. Não conseguiu reconquistar nem Almada (Maria das Dores Meira teve uma derrota estrondosa), nem o Barreiro (o PS reforçou muito a votação). E manteve Évora e Setúbal muito a custo.

O único ponto positivo da noite eleitoral comunista foi a confirmação de que João Ferreira tem boa aceitação no eleitorado do partido da capital. Ferreira teve uma boa campanha e boas prestações nos debates — parece um peixe na água ao falar dos dossiês da Câmara. Por isso mesmo, subiu ligeiramente a votação da CDU e é cada vez mais um nome a ter em conta para suceder a Jerónimo de Sousa. Isto é, se do PCP assim o entender.

O Bloco de Esquerda, por seu lado, continua “irrelevante” a nível autárquico — como assinalou, e bem, António Costa. Sem presidências de Câmara e residual em termos de mandatos autárquicos.

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Finalmente, temos os partidos que concorreram pela primeira vez a Lisboa: Chega, Iniciativa Liberal e PAN. O partido de André Ventura teve mais de 200 mil votos a nível nacional mas apenas conseguiu eleger 19 vereadores e mais de 170 deputados municipais. Um resultado medíocre, tendo em conta que o Chega avançou em mais de 200 concelhos.

A Iniciativa Liberal, por seu lado, também não se saiu muito melhor. Falhou o seu grande objetivo de eleger um vereador em Lisboa (conseguiu três deputados municipais) e apenas teve uma pequena quota parte da responsabilidade na vitória de Rui Moreira. No total, os liberais conseguiram eleger 25 deputados municipais nos cerca de 50 concelhos a que se candidataram.

O PAN também vai tentar esquecer esta noite eleitoral. Só em Lisboa, uma cidade propícia à mensagem do PAN, o partido de Inês Sousa Real teve apenas 2,73% dos votos. A nível nacional, não ultrapassou os 1,14% que representam cerca de 50 mil votos e 22 deputados municipais. Muito pouco para um partido que prometia muito.