1 Bem podem argumentar os perdedores das próximas autárquicas que estas eleições são locais e que nunca têm consequências nacionais. Basta perguntar a António Guterres em 2001 e recordar outros episódios no passado (para os governos ou líderes da oposição em exercício de funções) para concluir que não é assim. Essa será uma premissa essencial para analisarmos os resultados do próximo dia 26 de setembro.

Temos também de ter em atenção o histórico das últimas eleições autárquicas para percebermos as tendências, compararmos resultados e retirarmos as devidas conclusões. E, no que diz respeito aos dois principais partidos (PS e PSD), há que ter em conta o seguinte contexto:

  • O PS tem vindo a bater os recordes autárquicos do partido desde 2009. Começou com José Sócrates em 2009, um mês depois de ter perdido a maioria absoluta. Continuou com António José Seguro em 2013 no auge da política de austeridade do Governo Passos Coelho: 149 autarquias e 923 mandatos. E manteve-se a tendência de crescimento com António Costa em 2017: 159 câmaras e 952 mandatos. São três vitórias consecutivas sempre a crescer, com a particularidade de Costa ter suplantado o recorde absoluto que estava na posse do PSD de Cavaco Silva (1985) em termos de autarquias conquistadas.
  • O PSD não ganha umas eleições autárquicas desde outubro de 2005 e tem vindo a descer de forma sustentada desde 2001 — ano em que conquistou sozinho 149 câmaras e 17 em coligação com o CDS e outros partidos. Sozinho baixou pela primeira vez das 100 autarquias em 2013 e nunca mais recuperou; se contarmos com as coligações com o CDS, baixou da fasquia das 100 autarquias em 2017 com Passos Coelho. Se compararmos 2001 com 2017, os social-democratas perderam 63 autarquias — sem contar com Lisboa e Porto e outros concelhos em que o PSD ganhou em 2001 em coligação com o CDS.

A primeira conclusão é simples: o PS é desde há largos o grande partido autárquico nacional, enquanto o PSD tem cada vez menos votação, com destaque para a erosão do seu eleitorado nos principais centros urbanos do país.

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2 Se haverá sempre uma leitura nacional dos resultados das autarquias, as consequências maiores serão sempre ao nível do PSD. Pela simples razão de que António Costa, que teve uma vitória esmagadora e histórica em 2017, vai continuar a ser o maior partido autárquico com uma larguíssima vantagem face ao PSD.

O PSD será derrotado sem apelo nem agravo pela quarta vez consecutiva em eleições autárquicas — se contarmos com as coligações com o CDS, será a terceira vez consecutiva. A ideia de que o PSD já não é um grande partido nacional capaz de rivalizar com o PS está a consolidar-se de forma clara pela mão de Rui Rio — um líder que nunca ganhou uma eleição que dependesse de si diretamente desde tomou posse em fevereiro de 2018 e arrisca-se a perder uma eleição nacional pela quarta vez consecutiva.

Acresce que o PSD tem um histórico recente de mudança de líderes após eleições autárquicas: Marques Mendes convocou diretas após a derrota nas intercalares em Lisboa em 2007 e perdeu para Luís Filipe Menezes; e Manuela Ferreira Leite também foi obrigada a convocar eleições internas após perder as eleições autárquicas de 2009, tendo sido substituída por Passos Coelho em 2010.

É verdade que as eleições autárquicas são um bom indicador da mudança de ciclo político mas isso não se vislumbra nestas eleições. Por outro lado, não é menos verdade de que são eleições que também podem ser um bom indicador do crescimento do partido que está no Governo. Por exemplo, as autárquicas de 1985 foram um excelente indício do crescimento que Cavaco Silva iria ter nos anos seguinte quando após ter ganho as legislativas sem maioria absoluta, o PSD conseguiu o seu melhor resultado até hoje em autárquicas: 149 câmaras.

Apesar de António Costa já estar há seis anos no poder — enquanto Cavaco tinha acabado de chegar —, não há grandes dúvidas de que as autárquicas vão consolidar o seu poder pessoal e o do PS.

3Com a campanha eleitoral prestes a começar, as dinâmicas das candidaturas já conhecidas e as sondagens a indicarem os concelhos com vencedor antecipado e onde a luta será mais intensa, há outros pontos que também podemos dar como certos:

  • Das capitais de distrito mais relevantes, o PSD apenas tem hipótese de ganhar Coimbra, continuando assim Braga (onde Ricardo Rio está a fazer um excelente trabalho) a ser a sua autarquia mais sonante. O Porto é (mais uma vez) um caso para esquecer e Carlos Moedas arrisca-se a ser em Lisboa uma aposta totalmente falhada.
  • Apresentado como putativo candidato a líder do PSD com uma vitória sobre Fernando Medina em Lisboa, Moedas não demonstrou até ao momento capacidade política compatível com tal estatuto. Com um perfil marcadamente tecnocrático, sem carisma e sem instintos políticos básicos, Moedas conseguiu a proeza de transformar Fernando Medina numa animal político (que também não é) no último debate na TVI. Só uma sondagem da Pitagórica (uma empresa credível) está a dar uma esperança à sua campanha. Veremos o que vai mostrar em campanha mas os objetivos mais ambiciosos de Moedas parecem passar por impedir a maioria absoluta da coligação PS/Livre e superar o resultado conjunto de Assunção Cristas e de Teresa Leal Coelho em 2017: um total de 31,81% e 80.320 votos.
  • Surpreendentemente, o PCP, através da CDU, pode emergir como um dos vencedores destas autárquicas. Basta para isso que aumente ligeiramente as 24 autarquias que lidera, reconquistando Almada, Barreiro ou até mesmo Évora. A confirmar-se, será um facto notável para um partido único na Europa Ocidente — um verdadeiro anacronismo histórico. E uma lição para o Bloco de Esquerda sobre como se comportar como parceiro do Governo de Costa.
  • Dos restantes partidos com assento parlamentar, o Chega é o único que pode vir a ter uma vitória nas suas primeiras autárquicas. Apesar de ser evidente a má preparação dos candidatos que apresenta (Nuno Graciano em Lisboa é só um entre muitos outros exemplos), certo é que o voto no Chega foi, é e continuará a ser um voto de protesto, congregando toda a espécie de insatisfeitos. Mesmo que não conquiste uma autarquia, estas eleições podem ‘mostrar’ um partido com implantação nacional e mandatos autárquicos. Esse é o grande objetivo das apresentação de 220 candidaturas nos 308 concelhos.
  • O PAN e a Iniciativa Liberal só poderão cantar vitória se consolidarem os seus eleitorados urbanos e conseguirem eleger vereadores. Têm pontos de partida diferentes, visto que estas serão as primeiras autárquicas dos liberais mas apresentam-se a um número semelhante de concelhos: o PAN disputam 43 autarquias, enquanto a IL avança em 53 concelhos.

Com a ajuda dos fundos europeus do Programa de Recuperação e Resiliência, o fim da crise pandémica à vista com o consequente crescimento económico e os trufos eleitoralistas de António Costa da descida do IRS e outras benesses, vamos assistir a mais um passeio eleitoral que vai reforçar a hegemonia do PS.

Os socialistas até podem ter (pouco) menos do que as atuais 159 autarquias, que tal (pequeníssima) perda não colocará em crise um facto indesmentível: Costa catapultou o PS para o maior partido autárquico português e a referência e o centro por excelência do sistema partidário português.