1. A paisagem europeia que resulta deste acto eleitoral não é bonita. Mas também não é uma surpresa. Afinal, estas são as primeiras eleições europeias após se ter sentido, com força e um pouco por todo o lado, os efeitos da crise económica no continente europeu. Em 2009, a crise era uma miragem longínqua – hoje, em 2014, o seu rasto de destruição é concreto. Tudo mudou em cinco anos. Houve países intervencionados, houve recessão económica, houve mais desemprego, houve contestação ao euro, houve apelos à divisão norte/sul, houve uma busca sôfrega (e sem sucesso) por alternativas credíveis à austeridade. Agora, foi a vez de os cidadãos europeus se pronunciarem e tudo isso ir a votos.

Inevitavelmente, os resultados reflectem insatisfação. Com as próprias instituições europeias, por se terem demonstrado incapazes de uma resposta atempada à crise económica – reflectida na abstenção. E com os partidos das grandes famílias europeias, tanto os que estão ligados às políticas de austeridade como os que se têm revelado incapazes de construir alternativas – o que explicará o crescimento dos partidos populistas e eurocépticos.

2. O que vai mudar na Europa? Pouco. Até porque, apesar das insatisfações, não deverão ocorrer mudanças de rumo nas políticas europeias. Por um lado, o Partido Popular Europeu ganhou as eleições (se bem que com menos eurodeputados do que em 2009) e Juncker já se atira ao lugar de Presidente da Comissão Europeia. Por outro lado, o Partido Socialista Europeu diminuiu o seu número de eurodeputados, mas manteve-se como segunda principal força política. A Europa socialista perdeu. De resto, os resultados na Alemanha são disto sintomáticos: o partido de Merkel ganha com larga vantagem, seguido do SPD, o parceiro de coligação. Não há, por isso, margem para que a política europeia se altere de forma substancial.

3. Há razões para soar os alarmes extremistas? No Parlamento Europeu, nem por isso. Os partidos extremistas não têm entre si coesão ideológica ou programática suficiente de modo a constituírem um bloco político capaz de influenciar as decisões europeias. Além de que não faz sentido pensarmos a Europa actual como se estivéssemos no início do século XX – os valores democráticos estão consolidados e, em termos institucionais, o radicalismo desses partidos ficará sempre bloqueado pelos equilíbrios políticos da UE. Nesse sentido, o impacto do crescimento destes partidos extremistas será, essencialmente, nacional, fragilizando os partidos tradicionais de governo e aumentando o clima de tensão política. Aí, sim, os alarmes devem soar. Exemplos disso são os casos da França e da Grécia. Marine Le Pen pregou mais um prego no caixão político de Hollande (cujo partido ficou em terceiro lugar) e já pediu a dissolução do Parlamento. Na Grécia, o Syriza ganhou e aumentou a pressão sobre o Nova Democracia (partido do actual primeiro-ministro), que tem atrás, como terceira força política, um partido neonazi.

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4. Situar estes resultados eleitorais no contexto europeu ajuda à leitura nacional. De facto, os resultados em Portugal não foram excepção ao cenário europeu. A abstenção foi muito elevada. Os partidos da coligação foram castigados pelas políticas de austeridade (com o seu resultado mais baixo de sempre). Os socialistas sobem, mas pouco. E os partidos populistas portugueses, com excepção do BE, crescem significativamente. Isto significa que, tal como ao nível europeu, o crescimento do PS não é suficiente para se afirmar como alternativa política. E, também, que o crescimento dos populistas não lhes atribui, verdadeiramente, maior influência no rumo da política nacional – a esquerda não consegue fazer coligações.

5. Sobram duas dúvidas principais. A primeira é se o BE terá capacidade para sobreviver a este resultado eleitoral. Num contexto em que, por toda a Europa (incluindo em Portugal), os partidos de protesto subiram, capitalizando o desagrado com as políticas de austeridade, o Bloco cai a pique. Fica a questão: irá desaparecer e, com ele, as esperanças de uma coligação à esquerda?

A segunda dúvida é se hoje assistimos à gestação de um bloco central. O PS foi rápido a declarar histórica a derrota da direita, mas foi brando em euforias porque sabe também que, com um resultado deste tipo, não pode ter expectativas de governar sozinho. A confirmar-se o crescimento dos partidos da extrema-esquerda numas futuras legislativas, o PS não terá escolha: terá de coligar-se com a direita.

6. Em que ficamos, então? Por enquanto, na mesma. Mas com uma certeza: se o PS ganhar eleições legislativas em 2015, mesmo que com improvável maioria absoluta, não terá ao nível europeu o apoio que precisa para alterar rumos políticos. Nesse aspecto, sai claramente derrotado. A contenção orçamental e a austeridade mantêm-se. Assim, para quem clama por eleições legislativas antecipadas, o PS não parece ter um futuro brilhante pela frente.