Luís Montenegro é o líder da oposição a um governo que, recuperando as palavras de Cavaco Silva, “passa os dias a mentir” e consegue “descer tão baixo em matéria de ética“. Por isso mesmo, importa esclarecer se Luís Montenegro ambiciona ser alternância ou alternativa a esse governo. A diferença não reside apenas na semântica: para ser alternativa, a conduta de Montenegro e do PSD terá activamente de se distinguir pela positiva no plano ético; para ser alternância, bastará ao líder social-democrata aguardar passivamente que o poder lhe caia do céu. Eventualmente, ambas as estratégias poderão ser eficazes. Mas seria um enorme engano acreditar que as estratégias se equivalem — só um PSD que se apresente como alternativa terá legitimidade reforçada para liderar o país, abafar o Chega e enfrentar interesses instalados durante os anos de monopólio socialista do poder.
Partindo do pressuposto que pretende ser alternativa, Luís Montenegro teve uma semana má e tropeçou em dois problemas. O primeiro é o PSD-Lisboa. As escutas da operação Tutti-Fruti agora reveladas mostram como, em 2017 (e não só), o PSD na capital aderiu a esquemas de corrupção, favorecimento, contratos falsos e tráfico de influências, chegando mesmo a encetar um acordo secreto com Fernando Medina (e o PS-Lisboa) para a defesa de interesses políticos e económicos comuns — nas palavras escutadas de Sérgio Azevedo (do aparelho lisboeta do PSD), “um acordo de governação com tachos por fora”. Perante actos de tão grave indignidade, o líder do PSD tem de agir de forma implacável, arrumar o seu partido e limpar o PSD-Lisboa: não terá autoridade moral para questionar a conduta ética e política de Fernando Medina enquanto não for igualmente exigente dentro do seu próprio partido. A primeira reacção de Luís Montenegro, que se limitou a atirar o assunto para os braços da Justiça, é uma desilusão, sobretudo porque é tão perigosamente semelhante ao mantra socialista (“à justiça o que é da justiça”) que António Costa utiliza como escudo para se esquivar às suas responsabilidades.
O segundo problema é a ambiguidade estratégica das intervenções de Montenegro. Sim, o líder do PSD faz bem em criticar o governo em várias instâncias — e motivos não faltam. Mas já não faz tão bem em cair na ilusão de que tal será suficiente para empolgar quem quer que seja. Há uma enorme franja da população em busca de razões para acreditar que Portugal tem futuro e para a qual o PSD tem de falar com arrojo — famílias que desejam ascender socialmente ou simplesmente anseiam que o país não lhes bloqueie oportunidades e force a emigração dos filhos. Contudo, quando o líder social-democrata lança afirmações de que “está a chegar a nossa vez“, como se a governação fosse um brinquedo que o PS não lhe empresta, a mensagem que passa é que o PSD está cheio de sede para ir ao pote e já só tem os olhos sofregamente fixados numa ascensão ao poder. Convinha não esquecer que, para governar, Montenegro precisará dos votos de milhares de portugueses que ainda não se convenceram com as suas propostas.
Retomo a pergunta do início e dou-lhe a minha resposta: não sei se Luís Montenegro prefere ser alternativa ou se se contenta com a ideia de alternância — mas sei que, perante um governo que “passa os dias a mentir”, as pessoas procuram uma alternativa e líderes que se comprometam, mais do que tudo, a limpar a sujeira em que se converteu a política nacional. O PSD só entusiasmará quando assumir esse propósito, que fará de si alternativa e que tem dupla finalidade: contrastar com a decadência ética do PS e esvaziar eleitoralmente o discurso populista do Chega (que cresce à boleia dos escândalos que PS e PSD desvalorizam). Não há meio-termo: o PSD tem de estar num patamar ético superior ao bas-fond onde se alojou o PS no governo. E Montenegro tem agora uma prova de fogo: se quer mesmo ser alternativa, lidere pelo exemplo e decapite o PSD-Lisboa.