António Costa percebeu, em 2015, que só teria futuro se se afastasse da irresponsabilidade socrática que faliu o país, através de uma política orçamental de “contas certas”. Com o PS derrotado nas eleições legislativas, descredibilizado pela bancarrota e, contra as expectativas, a governar com uma geringonça sob suspeita internacional, os socialistas sentiram-se entre a espada e a parede, sem margem para errar. E adaptaram-se: a “responsabilidade orçamental” impôs-se e foi validada por bloquistas e comunistas – nunca por convicção política, sempre por apelo de sobrevivência.

A estratégia permaneceu no guião dos recentes sucessos eleitorais dos socialistas. Mas, passados oito anos, instalou-se o desgaste perante sucessivos recordes de carga fiscal. Sempre foi explícito que o equilíbrio das contas públicas se alicerçou, em grande medida, no controlo da despesa pública (com as cativações) e numa asfixiante cobrança de impostos – e, mesmo assim, o PS obteve uma maioria absoluta em 2021. A novidade apareceu agora no contexto das famílias: a perder poder de compra, desde logo a lidar com os efeitos da inflação e com as prestações da casa a subir, esgotou-se a paciência para um Estado que esmaga os rendimentos das famílias com impostos. Em 2023, essa frustração partilhada por tantas e tantas famílias tornou-se um risco político e eleitoral para os socialistas.

A rentrée política revelou que os partidos à direita o perceberam. Tanto IL como PSD colocaram na agenda a redução da carga fiscal, em especial no IRS. Neste momento, será possivelmente a bandeira política que os partidos à direita mais exibem. E têm os dados do seu lado: nunca a carga fiscal foi tão elevada como em 2022 (36,4%). Mais: a Comissão Europeia estima que, até 2024, a trajectória de aumentos na carga fiscal se manterá em Portugal (+0,5 pontos percentuais), em contraciclo com a larga maioria dos países da UE (que vão reduzir a sua carga fiscal, em alguns casos de forma significativa).

A questão é que o PS, com o seu apurado instinto de sobrevivência, também percebeu que está sob ameaça. E inevitavelmente reagirá. Com os indicadores provisórios de 2023 a apontar para maior crescimento económico do que o inicialmente estimado pela UE e para um défice orçamental próximo de zero, o contexto oferece ao governo uma ampla margem de manobra para baixar impostos, aumentar salários ou multiplicar medidas de apoio às famílias. Ontem, aliás, o Presidente da República veio precisamente reforçar esse ponto: há condições para reduzir a carga fiscal. Ou seja, em véspera de ano eleitoral e com o Orçamento de Estado para 2024 à espreita, o PS não só tem excelentes condições para baixar impostos como terá todos os incentivos políticos para o fazer.

Eis, portanto, o xadrez político que marcará os próximos meses: a alternativa à direita surge sustentada na bandeira da redução de impostos que, muito provavelmente, o PS adoptará sob uma forma ou outra. Com duplo benefício para os socialistas: o da popularidade eleitoral e o de esvaziar o discurso dos partidos da oposição. Depois de roubar a bandeira das “contas certas” a PSD-CDS (2015), os socialistas preparam-se para se apropriar da bandeira (PSD e IL) da “descida dos impostos”. E, mais uma vez, esvaziar uma das principais linhas programáticas da alternativa à direita, que tem de ir mais longe nas suas propostas, sob risco de ficar sem discurso na antecâmara das próximas eleições legislativas.

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