1 Não há que ter medo das palavras: o PSD está numa encruzilhada e provavelmente este é o pior momento da sua história — só equivalente aos ziguezagues doutrinários próprios do período revolucionário e a ausência nesses anos de Francisco Sá Carneiro devido a doença.

É verdade que Rui Rio tem particulares responsabilidades no atual estado do partido (já lá irei) mas há problemas estruturais que já duram há algum tempo e que podemos resumir assim:

  • A crescente perda de influência eleitoral. Nos últimos 27 anos, o PSD governou apenas sete anos. Quando António Costa terminar o seu terceiro mandato como primeiro-ministro, o PS terá governado 24 em 31 anos. Acresce que o PSD não ganha uma eleição autárquica desde 2013.
  • Desde que Cavaco Silva mudou o país com os governos mais reformistas desde o 25 de Abril, nunca mais o PSD aproveitou as oportunidades em que esteve no poder para continuar esse trabalho. Ou porque Durão Barroso não teve a coragem necessária para fazer as reformas que se impunham (preferindo abandonar em Portugal a favor da liderança da Comissão Europeia). Ou porque Passos Coelho não podia romper com o espartilho da troika, sob pena de ficarmos ao nível da Grécia.
  • A excessiva influência da fação do centro-esquerda da qual nasceram as lideranças de Manuela Ferreira Leite e de Rui Rio. Excessiva porque não tem resultados eleitorais para mostrar. Pelo contrário, Ferreira Leite e Rio são responsáveis pelos piores resultados do partido desde 2009. Mais: em toda a história do PSD, tiveram três dos seis piores resultados dos social-democratas.

O problema principal, contudo, é a indefinição da matriz ideológica e doutrinária do PSD. O que foi durante muitos antes a sua maior virtude — e que lhe permita ser um catch all party, navegando entre o centro-esquerda e a direita democrática — é hoje o seu maior defeito.

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Porquê? Porque os partidos à sua direita — que valem juntos mais de 686 mil votos e 20 deputados — são partidos com uma mensagem clara e um público-alvo bastante bem definido. Poderão nunca vir a ser grandes partidos, mas enquanto o PSD continuar a ser incaracterístico, mais os liberais e o Chega crescerão.

2 Por tudo isto, é profundamente ridículo que, após ter levado o PSD a dois dos cinco piores resultados da sua história nas legislativas, depois de ter sido o principal responsável por António Costa ter conseguido proeza (quase única a nível europeu) de conseguir uma maioria absoluta após o desgaste natural de seis anos de poder (e com uma pandemia pelo meio), Rui Rio ainda não tenha apresentado a sua demissão formal. E ainda se arma em farmacêutico (falhado), aconselhando Xanax a quem tem ansiedade de apresentar a candidatura.

É só mais umas das inúmeras (e infindáveis) tropelias de um político que se julga (erradamente) um predestinado — quando, na realidade, é dos líderes mais incompetentes que o PSD teve na sua história.

É verdade que, perante o mais longo mandato de um Governo (e ainda por cima em maioria absoluta), o PSD deve decidir o seu futuro com calma e ponderação. Mas isso não significa que Rui Rio possa continuar como presidente do PSD mais 6 ou 10 meses. Isso seria politicamente insustentável.

A ideia que dá é que Rui Rio quer dar uma última prova de vida e mostrar o seu peso político. Peso político? Que peso político? De um líder que perdeu todas as eleições dos seus mandados como presidente do PSD? Francamente…

3 O PSD não pode demorar muito tempo a definir o seu futuro mais próximo, escolhendo uma liderança com legitimidade política para reconstruir o partido, liderar a oposição ao Governo de António Costa e preparar um projeto político para apresentar nas próximas legislativas.

Para tal, é necessário promover uma clarificação doutrinária/ideológica do partido. Os eleitores não sabem o que o PSD representa hoje em dia.

É um partido do centro-esquerda, como diz Rui Rio (e outros, como Pacheco Pereira)? Se é, o que o distingue do PS, um partido de inspiração trabalhista que também segue muitas das ideias da social-democracia nórdica que o PSD historicamente também seguiu?

Ou, pelo contrário, o PSD é o líder natural do espaço político do centro-direita que, tal como o PS faz à esquerda, parte da direita democrática e do seu eleitoral natural para os eleitores moderados do centro que, por definição, não são leais a nenhum partido?

E se assim é, que tipo de Estado propõe? Onde é que o Estado tem de estar como imperativo social e até económico — e onde o Estado pode dispensar a sua presença ou contratualizar serviços com os privados? Que políticas económicas reformistas propõe? Quais as suas ideias para a saúde, educação ou segurança social, por exemplo? Estas são as perguntas relevantes para que um projeto reformista liderado pelo PSD possa construir uma proposta política claramente diferenciada da do PS.

Este ponto, o de um projeto reformista, é fundamental para um partido com a natureza do PSD. A política do medo defendida pelo PS — que consiste em assustar os diferentes eleitorados com as propostas dos social-democratas, o que foi conseguido nas legislativas de janeiro com notável eficácia — não pode impedir a construção de uma visão reformista do país.

É também por isso que é necessária essa clarificação doutrinária, até porque o PSD tem nas suas fileiras desde sempre social-democratas, social-cristãos, liberais e conservadores numa coexistência pacífica e agregadora.

4 Tal projeto de reformista tem de dar especial atenção a três tipos de eleitores que o PSD tem vindo a perder de forma sustentada e que necessita de reconquistar. Sem os seguintes eleitores, os social-democratas nunca regressarão ao poder:

  • os pensionistas que foram afetados pelos cortes nas pensões no tempo da execução do memorando da troika levado a cabo por Passos Coelho e que já foram um forte pilar do eleitorado natural do PSD;
  • Os mais de 700 mil funcionários públicos;
  • E muitos dos jovens adultos que votam na Iniciativa Liberal por não reconhecerem no PSD uma mensagem de esperança que lhes seja dirigida.

A construção de uma proposta política consistente que consiga conquistar uma parte importante destes três grupos eleitorais não é nada fácil. É um desafio gigantesco porque em muitas situações estes grupos têm interesses antagónicos.

Além de recuperar eleitorados perdidos, há outros aspetos igualmente relevantes, como por exemplo:

  • É fundamental uma recusa clara de qualquer espécie de autoritarismos. Rui Rio também foi derrotado pela sua queda para o autoritarismo puro e simples — que sempre foi bastante claro no controlo que pretendia ter do poder judicial. O ‘quero, posso e mando’ — e ainda por cima com base na intuição, no palpite e no dedo no ar a tentar ver para que lado sopra o vento — está ultrapassado. Houve uma altura em que os portugueses gostaram desse perfil mas isso ficou ultrapassado com estas eleições. O PSD tem de ser o partido do respeito pelas liberdades e garantias mas também da separação clara e transparente entre o poder executivo e o poder judicial.
  • A união do partido é essencial. O próximo líder (seja quem for) terá de integrar os rioistas na sua comissão política nacional. Por exemplo, homens como Joaquim Miranda Sarmento ou André Coelho Lima foram duas boas revelações da direção de Rio. A nova liderança terá de agregar, e não separar.
  • Oposição intensa e escrutinadora de qualquer Governo. De uma vez por todas, o PSD tem de aprender a fazer oposição como o PS: com grande profissionalismo, intensidade e capacidade de trabalho — o oposto de tudo o que a direção de Rui Rio demonstrou, com a honrosa exceção de Miranda Sarmento. E também deixar de olhar para os jornalistas como inimigos de sangue mas sim como profissionais da informação que noticiam, analisam e opinam de forma livre sobre o que lhes parece mais relevante.

Estas são algumas ideias que devem ser analisadas pelos candidatos à sucessão de Rui Rio. Não faço ideia se Luís Montenegro, Paulo Rangel, Miguel Pinto da Luz ou Jorge Moreira da Silva defendem algumas destas propostas. O que sei é que das duas uma: ou o PSD muda de vida com urgência e começa a construir uma alternativa ao PS ou o Chega e a Iniciativa Liberal continuarão a crescer em 2026/2027 à custa do eleitorado do PSD.

Texto alterado às 17h55