1. Há quem diga que Marcelo Rebelo de Sousa apenas quer fazer um mandato como Presidente da República. Uma espécie de mandato único, como aquele que passou a defender para o procurador-geral da República, o que ajudaria a explicar o seu grau alucinante de exposição mediática a que Marcelo se submete — uma prática insustentável numa estratégia de dois mandatos.
Se assim é — e não há nada, para já, que o confirme –, então não se compreende o verdadeiro comportamento errático que o Presidente está a ter desde há várias semanas. Mais do que uma muleta do Governo de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa tem sido uma espécie de cúmplice ativo da governação socialista — esquecendo completamente as expectativas que a sua base eleitoral de apoio tem em relação ao seu papel.
2. Vejamos o que o Presidente fez — ou melhor, o que não fez:
- Tudo começou com a não recondução da procuradora-geral. Já aqui escrevi que Marcelo foi mais um notário que validam qualquer assinatura do que um Presidente ciente do seu poder e influência sobre o Governo. Resultado: ficou colado à revanche do PS contra Joana Marques Vidal.
- O escândalo da nomeação de um deputado do PS (Carlos Pereira) para liderar a Entidade Reguladora do Setor Energético (ERSE) mereceu, que se saiba, apenas o silêncio. O Presidente pode ficar calado quando António Costa governamentaliza um órgão público que a lei impõe como independente do Poder Executivo? Não pode nem deve. É a credibilidade do Estado que está a aqui em causa. O que dirão os investidores internacionais que queiram investir no setor em Portugal? Que Portugal é uma República das Bananas? Parece que a oposição, incluindo PCP e BE, vai ter o bom senso de chumbar o nome. Com o PS está isolado, pode ser que Marcelo apareça.
- O mesmo silêncio preferiu sobre todas as trapalhadas do então ministro Azeredo Lopes na gestão do caso do assalto a Tancos — e, mais grave, após Azeredo ter ficado sob suspeita judicial de que saberia do encobrimento organizado pela Polícia Judiciária Militar. Além da constatação da dualidade de critérios de Marcelo ao ter pressionado a saída da ministra Constança Urbano de Sousa na sequência da morte de mais de 100 pessoas em dois fogos em 2017 e agora nada ter dito, é importante recordar que, por muito menos do que o caso Tancos, o Presidente Sampaio exigiu ao primeiro-ministro Guterres nos idos anos 2000 a saída do ministro Armando Vara do Governo devido à criação de uma fundação com dinheiros públicos.
- Não só não o fez, como se viu obrigado a dar uma entrevista à Agência Lusa a garantir que ele próprio, Marcelo Rebelo de Sousa, nunca recebeu qualquer informação antecipada pelo encobrimento da PJ Militar. Não deixa de ser uma resposta indireta a António Costa que dias antes no Parlamento tinha ameaçado que alguma dia vai saber-se o que “cada um sabia sobre esta história de tancos”.
- Sobre o Orçamento de Estado, Marcelo fez uma ligeira crítica. Depois de ter alertado sobre o perigo de eleitoralismo da parte do Governo devido às europeias e legislativas de 2019, Marcelo passou a considerá-lo, ao eleitoralismo, como “inevitável”. Mais: um Orçamento que aumenta significativamente de forma estrutural a despesa pública, pouco ou nada faz em termos de exportações e de investimento público (um dos mais baixos de sempre devido às cativações) e volta a aumentar a carga fiscal — é classificado por Marcelo como tendo “justiça social acrescida”.
- Pior que tudo: Marcelo nada diz sobre o principal lado negativo deste Governo: a total ausência de uma agenda reformista que permita construir um novo modelo económico para terminar com a estagnação económica que Portugal vive há mais de 18 anos. Uma crítica ao otimismo irritante do primeiro-ministro é a sua única resposta. Até ao momento.
3. Estas posições compadecem-se mais com um Presidente da República que só pensa na sua popularidade para preparar um segundo mandato, do que com um Chefe de Estado atento sobre o que o Governo tem vindo a fazer.
Marcelo Rebelo de Sousa, contudo, tem a obrigação de informar a Opinião Pública sobre algo estrutural que não esteja bem. Não só a influência política do Presidente depende muito do uso da palavra, como esse é verdadeiramente o seu papel no nosso sistema político constitucional. A Constituição não reserva esse papel exclusivamente aos presidentes oriundos da esquerda. Não estou com isto a dizer que é preciso desempenhar o líder da oposição ao Governo (como Soares fez com Cavaco) ou dissolver a Assembleia da República de forma polémica (como Sampaio fez com Santana).
Basta fazer o que Cavaco Silva fez com José Sócrates ainda durante o seu primeiro mandato. Preocupado com o excessivo recurso às Parcerias Público Privadas para fazer auto-estradas e as sérias consequências que esses investimentos teriam na subida da dívida pública, Cavaco pediu os orçamentos da das Estradas de Portugal, a concessionária pública, e alertou não só o então primeiro-ministro Sócrates, como a Opinião Pública, para esses perigos — que se vieram a concretizar. Este é um bom exemplo e uma referência para uma intervenção presidencial.
4. Por outro lado, Marcelo tem, como todos os presidentes, a obrigação de saber qual é a sua área política. Nos últimos meses, o Presidente comportou-se como se os 80% de taxa de aprovação dispensassem qualquer espécie de prestação de contas aos portugueses, mas, acima de tudo, à sua base eleitoral de apoio. Marcelo vive, inclusive, uma ilusão de que o seu eleitorado natural atravessa todo o espectro político. Isto é, que a sua área política são… todas. Parece que a popularidade está a cegá-lo politicamente.
Essa é uma ilusão perigosa. Seja para a tese do mandato único, seja para uma candidatura a um segundo mandato. No primeiro caso, uma descida da taxa de popularidade é inevitável depois deste pico de 80%. Já no segundo, Marcelo Rebelo de Sousa arrisca-se a uma erosão da sua base social de apoio. Algo que um político experiente como Marcelo dispensa.
Texto atualizado às 17h16m
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