Como trabalho em Londres, e mantenho a velha mania de ler jornais e revistas em papel, peço que me guardem os Públicos, os DNs, os Expressos, as Visões, as Sábados, os Jornais de Negócios, os Sol, os Correios da Manhã para depois ler as colunas de opinião. Assim leio vários cronistas e várias das colunas de cada um de seguida. É educativo. Nos últimos meses notei que há dois cronistas em Portugal que têm uma obsessão quase doentia com o Observador. Não há semana que não ataquem a “direita do Observador”, e por vezes na mesma semana em publicações diferentes. São o Pacheco Pereira e o Marques Lopes. Eu acho que eles sonham com o Observador, atormentam-se com o Observador, devem acordar a meio da noite para ver o que diz o Observador. Aqui entre nós, acho que eles adorariam escrever no Observador, mas devem estar muito irritados por nunca terem recebido esse convite de sonho.
Chamo a isto uma obsessão doentia porque nenhum dos dois foi alguma vez capaz de criticar de um modo substancial qualquer artigo escrito por um cronista do Observador. Usam o velho truque totalitário de construir um inimigo colectivo, “a extrema direita do Observador”, ou a “direita radical do Observador.” Na sua imensa soberba, ambos acham que discutir argumentos de um cronista seria descer do seu pedestal e dar demasiada importância a alguém. Mas essa é apenas uma justificação. A verdadeira razão é que eles sabem que não têm razões substanciais que lhes permita entrar num debate aberto com os cronistas do Observador. Por exemplo, eles sabem muito bem que os cronistas do Observador nada têm a ver com Trump. Por isso, fazem a acusação sem a justificar e demonstrar. Escondem-se criando uma categoria colectiva, o Observador.
Mas há uma segunda razão ainda mais importante. Pacheco Pereira e Marques Lopes querem fazer carreira na comunicação social como os cronistas de direita que atacam a direita. Eles querem ser a “direita” que a esquerda gosta. Obviamente, a esquerda apenas os usa para tentar credibilizar os seus ataques à direita. As esquerdas podem dizer que o Observador é de “extrema direita” porque o Pacheco Pereira e o Marques Lopes, que são de “direita”, dizem o mesmo. Mas a posição política de PP e de ML é irrelevante. Eles fazem da opinião uma carreira profissional e é o que conta para eles.
Há, no entanto, um traço que os define: uma vaidade imensa. No caso de Marques Lopes só comparável à sua profunda ignorância. Pacheco Pereira é um tipo culto e com o qual se aprende. O seu problema é mesmo a vaidade. Na década de 1980, Pacheco Pereira tomou uma decisão. A maioria dos intelectuais eram de esquerda e ele queria tornar-se a referência intelectual da direita. Aderiu ao PSD e aproximou-se de Cavaco Silva. A sua posição intelectual na direita era ameaçada pelo Independente, por Miguel Esteves Cardoso e por Paulo Portas. Por isso, Pacheco Pereira passou a vida a atacar a “direita do Independente” (apesar de ser uma fonte do jornal sempre que lhe fosse útil), aliás de um modo semelhante ao que faz agora com a “direita do Observador”.
A sua vaidade obrigava Pacheco Pereira a ter um lugar único entre os intelectuais de direita. Por isso, atacou todos os outros, empurrando-os para a extrema direita. Acabou sozinho, sem nunca pertencer à esquerda nem à direita. Hoje, sabe que perdeu, e que o Observador ganhou. Tenta sobreviver a fazer o que sabe: escrever crónicas de opinião. Mas já são poucos os que o leem, e ainda menos os que o levam a sério. Falem com os jovens com menos de 30 anos. Todos sabem o que é o Observador e quase ninguém sabe quem é Pacheco Pereira. Se ele fosse menos vaidoso e mais humilde, seria hoje uma referência entre os intelectuais de direita.
Marques Lopes é um caso diferente. Adoraria escrever no Observador, mas nunca perdoará não ter sido convidado. Há muitos anos, apresentei Marques Lopes à Helena Matos, ao Paulo Mascarenhas, ao Rui Ramos, ao Vasco Rato e a outros, quando fizemos a saudosa Atlântico (em muitas coisas, uma percussora do Observador). Na altura, ninguém conhecia o Marques Lopes e ele não escrevia em qualquer jornal. Rapidamente, se tornou o melhor amigo do Paulo Mascarenhas, o director da Atlântico, e do Vasco Rato. Não perdia uma oportunidade para jantar connosco. Nesses tempos, fingia pensar como nós e só tinha elogios para a Atlântico. Até chegou a escrever uns pequenos artigos. Devo dizer que Marques Lopes, quando quer, é uma companhia agradável e um bom conversador.
Entretanto a Atlântico acabou, eu fui trabalhar para Bruxelas com o Durão Barroso e deixei de conversar regularmente com o Marques Lopes. Um dia encontrei-o em Lisboa e passei quase uma hora a ouvir grandes elogios do Marques Lopes a Passos Coelho. Na altura não conhecia Passos Coelho, Ferreira Leita era a líder do PSD, mas depois de tal elogio devo dizer que fiquei com vontade de o conhecer. Eu que sou um grande admirador do Passos Coelho, agradeço ao Marques Lopes ter sido um dos primeiros a chamar-me à atenção para as suas qualidades.
Desde aí, Marques Lopes passou de um dos maiores defensores de Passos Coelho para um dos seus maiores críticos. De um grande crítico de Sócrates (lembro-me do que ele dizia do então PM socialista nos tempos da Atlântico) tornou-se um amigo próximo. De colaborador na Atlântico, e cheio de entusiasmo, passou a atacar o Observador todas as semanas. Também já se percebeu que o seu entusiasmo com Rui Rio começa a diminuir. Eis um padrão de comportamento que não se recomenda. Os futuros candidatos à liderança do PSD devem ter cuidado com os cantos de sereia do Marques Lopes. É certo que mais tarde ou mais cedo serão atraiçoados.
Quanto aos ataques ao Observador, deixo um desafio ao Pacheco Pereira e ao Marques Lopes. Se tiverem capacidade, competência e coragem, critiquem os argumentos dos seus autores, e abandonem a táctica cobarde de ataques colectivos. Não tenham medo de entrar em discussões frontais, mesmo que sejam duras. Nas sociedades abertas, é isso que se faz.