De 2008 até hoje, a União Europeia passou por três grandes crises. A crise económico-financeira, a crise dos migrantes e a crise da pandemia provocada pelo surgimento do novo coronavírus. Das duas primeiras já sabemos o desfecho: as coisas lá se foram compondo, ou melhor, adiando, e nenhum país europeu nem as instituições europeias foram capazes de assumir qualquer liderança consistente, e fazer o que tem que ser feito nestas alturas: tomar decisões efetivas, geralmente duras, e implementá-las, apesar dos naturais descontentamentos e oposições próprios – e necessários – em sociedades democráticas (a austeridade veio tarde, e com resultados pouco satisfatórios, e destruindo o capital mais importante da UE, a solidariedade). A Europa (estados poderosos e instituições) não só perdeu duas oportunidades, como não impediu que se gerassem um conjunto de crises, mais ou menos abstratas, nos estados membros, relacionadas com a identidade, as instituições, a legitimidade e os partidos políticos. Nem impediu que os regimes democráticos fossem questionados por atores políticos antiliberais.

A terceira crise está ainda a começar. Já sabemos que é a mais exigente de todas, ainda que seja difícil saber o alcance da calamidade económica – sem falar na questão da saúde pública – que teremos que enfrentar. Da União Europeia quase nada. Até agora são os estados que têm acorrido às suas populações para enfrentar a maior crise que a maioria de nós tem memória.

Antevêem-se, pelo menos, três consequências. A primeira é que é possível que se gere um laço de confiança entre as populações e as soluções nacionais. Afinal, ficará na memória das pessoas que, no pico da pandemia, as instituições europeias foram incapazes de ter um papel relevante. A ajuda internacional que chegou até agora veio da China e, em menor medida, da Rússia.

A segunda é que, também com grande probabilidade, ao isolamento, que fará decair drasticamente o emprego e os rendimentos das famílias, seguir-se-ão crises económicas e políticas nos países europeus. As condições estão criadas para que se escolham novos líderes de pendor mais nacionalista, até nas suas derivações mais populistas e extremistas.

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A terceira é que, se nas crises anteriores a União Europeia sobreviveu, desta vez está sob ameaça existencial. Não só porque não é um ator relevante, mas também pelas configurações governativas dos estados, que tenderão a rejeitar o projeto europeu, com o apoio das populações.

É natural que nos perguntemos neste momento: precisamos da União Europeia? Precisamos. Por razões económicas. Vão ser precisas medidas excecionais, muito além das tomadas nos anos a seguir a 2008. E vai ser preciso assegurar que a solidariedade europeia desta vez é a regra, não a exceção. E por razões de estabilidade. Já não conhecemos a Europa sem ser integrada e não sabemos quais seriam as consequências políticas do colapso do projeto europeu. E de incertezas já está o mundo cheio. E ainda por razões de segurança. Mesmo que a China esteja a apoiar a Europa neste momento de crise, fá-lo essencialmente por razões de conquista de um lugar de liderança internacional. A primeira lição deste vírus é mostrar-nos como seria um mundo liderado pela China. A amostra não foi agradável. Sem a União Europeia, os estados estrão muito mais vulneráveis a potências de interesses diferentes dos nossos.

A União Europeia tem-se demitido sucessivamente das suas funções. Está perto de o fazer novamente, mas desta vez, pondo em causa a sua própria existência. Não faltam oportunistas, internos e internacionais, que esperam momentos como este para prosperar. Espera-se que Bruxelas – e as potências europeias – sejam capazes de fazer face a este gigantesco desafio.