Em 18 de setembro de 2014, no seguimento de um referendo legal, cinquenta e cinco por cento dos escoceses rejeitaram tornar-se independentes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Como não venceram os dirigentes nacionalistas locais, em junho de 2022 trataram de agendar nova consulta popular para 19 de outubro de 2023, por acreditarem que em 2016 o «Brexit» havia mudado a chamada opinião pública da Escócia ao alcançar ali sessenta e dois por cento de votos favoráveis à sua permanência na União Europeia.
Porém – e como as instituições inglesas, firmemente escoradas numa Constituição consuetudinária, não codificada, mas inspirada nas leis, na jurisprudências, nos tratados internacionais – , em 23 de novembro de 2022 o Supremo Tribunal do Reino Unido deliberou que um parlamento regional como o escocês (Holyrood) não goza de quaisquer privilégios para legislar sobre matérias da estrita competência de Westminster, nomeadamente a unidade territorial do país, cabendo naturalmente a Edimburgo a responsabilidade, entre outras, das políticas de saúde pública, de educação e de agricultura, responsabilidade essa que lhe foi atribuída na Lei de Autonomia da Escócia em 1998 e promulgada, por decreto régio, no ano seguinte. Em breves palavras, Londres aplicou aos gaélicos das Terras Altas o que reza o nosso velho rifão popular que aconselha o sapateiro a ocupar-se de sapatos e a não tocar rabecão.
Os cinco magistrados que compõem o Supremo Tribunal do Reino Unido rejeitaram, os argumentos do SNP ( «Scottish National Party»), alegando, que os resultados não seriam vinculativos e que, portanto, não afetariam a integridade do Reino Unido. Não foi essa a interpretação do coletivo de juízes que entendeu que um «Sim» alcançado na tão almejada consulta popular dos nacionalistas escoceses resultaria, de uma forma ou de outra, na independência da Escócia, e, por isso, decidiram cortar cerce, fechando a porta a qualquer referendo de cariz separatista.
Perante o «Não» e para não se repetir o que aconteceu na Catalunha, com a prisão dos dirigentes independentistas após o referendo ilegal ali ocorrido em 1 de outubro de 2017, a estratégia do SNP, o seu plano B, será o de transformar as próximas eleições escocesas de 7 de maio de 2026 num plebiscito indireto, colocando a questão da soberania como tema principal no programa eleitoral. Se o SNP obtiver um resultado esmagador, por exemplo uma vitória bem acima dos 50% de votos favoráveis, poderia permitir que falasse em um «Sim» à independência, desafiando, desse modo Westminster com uma hipotética declaração unilateral de independência.
Mas passo a passo, os partidos independentistas estão andar para trás, seja na Escócia, seja em Espanha, seja, enfim, em França (Córsega). Falando apenas da Catalunha, onde inquestionavelmente se desenrolaram as cenas mais dramáticas.
A crise pandémica de 2020-22, os efeitos da guerra na Ucrânia e a consequente inflação e perda de poder de compra dos europeus, tudo isso agravado por desenfreadas lutas pelo poder e constantes tricas partidárias onde os protagonistas Oriol Junqueras, Carles Puigdemont ou Ada Colau vivem um claro fim de ciclo, desentendendo-se por tudo e por nada e ficando cada vez mais encurralados. A perda da governação do Município de Barcelona pelos partidos independentistas, após um aparentemente aberrante pacto de governação que juntou PSC (Partido Socialista Catalan com um dirigente regional Salvador Illa, mas dependente do PSOE de Pedro Sánchez), BComú (Coligação Barcelona em Comum, formada por partidos de extrema-esquerda, entre eles o Podemos) e PP (Partido Popular, de matriz conservadora chefiado por Alberto Núñez Feijóo). O que se tem passado na Catalunha constitui, em meu entender, o paradigma do retrocesso da estratégia da consagração do «direito de decidir», do chamado direito de autodeterminação
Ser político independentista apresenta-se como uma tarefa de enorme desgaste, de desigualdade face aos poderes centrais, que se consideram verdadeiros depositários da democracia e dos seus dogmas, não tolerando desvios separatistas. As atitudes de desafio e, nalguns casos, mesmo de guerra aberta dos separatistas com a ordem estabelecida abriu-lhes igualmente as portas da perseguição policial. É disso caso recente a detenção por suspeita de crimes de peculato (apropriação de dinheiros públicos) de Nicola Sturgeon (ex-primeira-ministra escocesa), que conhece, neste momento, os mesmos apertos judiciais por que já passaram os catalães Oriol Junqueras, Joaquim Forn, Jordi Sànchez, Jordi Cuixart, alem de Carles Puigdemont.
Este fim de ciclo para os políticos independentistas mais não significa do que uma pausa face às exigências do Estado de Direito, para que este assuma as obrigações de negociar e acordar as revisões constitucionais que se mostrem necessárias, a fim de nelas contemplar o «direito a decidir».
O direito de o cidadão «decidir» a estrutura política que o governa e o regime de relação com o Estado Central, poder decidir o seu futuro, segundo a vontade da maioria dos cidadãos, o direito a organizar Administração da Justiça, o direito de participar de forma direta nos órgãos e instituições da União Europeia, negociar e assinar tratados internacionais.
Como em tudo na vida, nada termina definitivamente.