A decisão chegou: Lula da Silva não discursará nas comemorações oficiais do 25 de Abril, no parlamento. A decisão era tão inevitável, tão óbvia, tão incontornável que só surpreendia que, no governo, se tenha achado boa ideia lançar tal convite a Lula da Silva — por cinco razões.

Primeira razão: Lula da Silva é uma personalidade política controversa e polarizadora. Convidar para as comemorações oficiais do 25 de Abril alguém que fragmentaria o parlamento português, em vez de representar a união nos valores democráticos, evidenciaria uma alarmante falta de bom-senso. Falta de bom-senso que se converteria em erro crasso, visto tratar-se de um chefe-de-Estado estrangeiro e a tal intervenção nas comemorações ser inédita — ou seja, não existia qualquer motivo diplomático ou protocolar que justificasse o convite. Há menos de um ano, o ministro Pedro Adão e Silva, acerca dos 50 anos do 25 de Abril, rejeitava dar elevado destaque à data de 25 de Novembro, porque “devemos focar-nos em comemorar aquilo que nos une”. Se o argumento é discutível quando aplicado a um momento-chave da transição democrática portuguesa, ao menos que fosse aplicado com coerência e se estendesse a Lula da Silva.

Segunda razão: há que preservar o funcionamento das instituições democráticas. A participação de Lula da Silva nas comemorações do 25 de Abril foi anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros — facto que, no plano institucional, corresponde à violação da separação de poderes, pois o governo invadiu o espaço de decisão da Assembleia da República. Este desrespeito institucional é próprio de uma democracia fragilizada, assente no poder do partido hegemónico, em vez de nos freios e contrapesos institucionais do regime. Consequentemente, o parlamento não tinha alternativa: para rejeitar a subserviência, o parlamento não poderia ter Lula a discursar.

Terceira razão: Lula da Silva não condena a invasão russa da Ucrânia. Pior: Lula da Silva responsabiliza e critica Zelensky pelo conflito com a Rússia. Ora, em Portugal e na UE, o regime de Putin constitui a maior ameaça à liberdade, à paz e à prosperidade. Ou seja, a Ucrânia tornou-se o palco de uma guerra onde, para além da soberania territorial ucraniana, estão em causa a defesa de valores democráticos e o respeito pelas regras da ordem internacional. Simplesmente não é compatível ser-se um Estado-membro da UE, apoiar (económica e militarmente) a Ucrânia e aplicar sanções à Rússia, enquanto se comemora a data fundadora da liberdade política em Portugal tendo como convidado de honra um chefe-de-Estado que está do outro lado da barricada.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quarta razão: Lula da Silva acumula posições recentes e inconciliáveis com os valores que Portugal comemora no 25 de Abril. Por exemplo, em 2022, durante a campanha eleitoral das presidenciais que venceu, Lula da Silva sugeriu o mapeamento dos endereços pessoais de deputados, de forma que estes pudessem ser pressionados por manifestantes junto das suas residências, para “incomodar a tranquilidade” e “conversar” com a mulher e os filhos. É difícil conceber proposta mais anti-democrática: Lula da Silva desvalorizou os canais institucionais de negociação e promoveu a intimidação pessoal.

Quinta razão: Lula da Silva esteve envolvido em sucessivos casos de corrupção. O destaque evidente é a Operação Lava-Jato, uma gigantesca teia de corrupção com Lula da Silva no centro. O agora presidente do Brasil foi condenado em várias instâncias a pena de prisão (entre 8 a 12 anos), tendo cumprido mais de um ano de prisão até a sua condenação ser anulada por erros processuais relacionados com áreas de jurisdição — ou seja, Lula da Silva está em liberdade, mas politicamente não se pode considerar inocentado. Ora, sendo o combate à corrupção e o funcionamento da Justiça duas fragilidades estruturais da democracia portuguesa, ter Lula da Silva a discursar no 25 de Abril representaria um péssimo sinal.

Se estas cinco razões são simples de atingir, o governo ignorou-as integralmente. Preferiu a polarização, tentou submeter o parlamento à sua vontade, desvalorizou a posição de Lula sobre a Ucrânia e valores democráticos, e abriu portas para o espectro da corrupção intoxicar as comemorações da democracia portuguesa. Neste caso, felizmente para o país, valeu que o parlamento travou a iniciativa, desautorizou o Ministro dos Negócios Estrangeiros e repôs alguma dignidade institucional. Já passou? Não, não passou. Lula não discursa no 25 de Abril, mas ficam os tiques do governo que a democracia dispensa: falta de bom-senso, atropelos institucionais, desrespeito pela liberdade e permissividade para com a corrupção.