Passos Coelho subiu domingo, pela terceira vez, ao palco do congresso de Espinho com o pin da bandeira portuguesa na lapela. Desiludiu os comentadores, talvez tenha desiludido muitos laranjinhas que prefeririam que tivesse na lapela as três setinhas do símbolo do PSD. Mas fez bem. Passos só faz sentido sendo Passos.
E o que é que significa ser Passos? Alguns congressistas disseram-no, como Moreira da Silva e, sobretudo, Santana Lopes. Ser Passos é ser teimoso e ser frio. Ou, em palavras mais simpáticas, é ser – e uso por isso as palavras de Santana Lopes – “frio, sereno, responsável, determinado”.
Vou acrescentar outro elemento: é continuar a ser mais liberal que a média do PSD e, por maioria de razão, a média do país. Passos não é um neoliberal, muito menos um ultraliberal, e vimo-lo enquanto foi primeiro-ministro. Primeiro, porque aumentou mais os impostos do que cortou na despesa pública. Depois – e isso costuma ser omitido – porque modelou a austeridade fazendo-a recair mais sobre os que mais podiam e protegendo os mais pobres. A prova disso mesmo é que agora, ao “reverter” essas medidas, o novo governo está sobretudo a beneficiar os que se situam na metade que mais ganha em Portugal, isto é, os funcionários públicos e os pensionistas que recebem mais de 1500 euros (como bem se demonstra aqui).
Mesmo assim, ouvindo as suas duas intervenções de fundo, percebe-se que Passos Coelho não é um “social-democrata” no sentido socialista do termo. Mas talvez não seja muito menos “social-democrata” do que os sociais-democratas dos países nórdicos. Os slogans dizem o contrário, mas quem conhece um mínimo da política europeia destes tempos sabem que Passos Coelho está muito mais perto, nas suas propostas, dos sociais-democratas (ou socialistas) nórdicos, holandeses ou alemães do que António Costa e o seu PS. Houvesse em Portugal mais seriedade no debate de ideias e isso não seria sequer objecto de controvérsia.
Mais: se os nossos comentadores não vivessem de slogans, saberiam que a social-democracia europeia é, genericamente, mais liberal do que eles imaginam. E Passos, nessa frente, até não fica mal como social-democrata – mesmo preferindo eu que ele se assumisse como liberal, pois é de liberais que Portugal realmente necessita.
Mas isto é ideologia. Falta a política. E, na política, Passos não deu nenhum sinal, pelo contrário, de que deixaria de ser o maladroit que desespera o PSD (e os comentadores, desta vez com mais ou menos razão). Faz mal nalguns casos: não devia ter chamado Maria Luís Albuquerque à sua comissão política (e não repito, sobre o tema, os meus próprios argumentos). Faz bem no essencial: se Passos deixasse de ser Passos deixaria de ter o seu único argumento forte, o de que com ele haverá, e repesco Santana Lopes, “determinação”.
Na verdade houve políticos que se “reinventaram” com sucesso variado. Talvez o melhor exemplo seja o de Paulo Portas, que vestiu inúmeras camisas de acordo com aquilo que o seu “faro” lhe sugeria. O resultado final é capaz de não ter sido o mais brilhante. Sobretudo nunca serviria para um partido com a dimensão do PSD, três a quatro vezes maior do que o CDS.
Um outro político que procurou reinventar-se foi Marcelo Rebelo de Sousa, na sua campanha para a Câmara de Lisboa em 1989. Foi um desastre e ele aprendeu com o erro. Em 2016 foi ele mesmo na campanha para as Presidenciais, o que desesperou muitos comentadores, mas com inegável sucesso.
Passos Coelho faz parte daquele grupo de políticos que é o que é. No caso dele, é o ex-primeiro-ministro que morava em Massamá. Atenção, que isto é um elogio, não é uma crítica snob ou elitista. Se fosse verdade o que os analistas e comentadores dizem sobre Passos Coelho, o PSD estaria nas ruas da amargura nas sondagens. Não está. Talvez valha a pena interrogarmo-nos porquê. Assim como tentar perceber porque o “génio” da geringonça, o melhor dos negociadores do mundo (a acreditar no que se lê e ouve), o primeiro-ministro que não para de distribuir benesses, não sobe nas sondagens. Dá que pensar, não acham?
Dá que pensar sobretudo porque Passos Coelho já fez com que demasiada gente engolisse os seus prognósticos. Quantos escreveram que podia chegar a líder do PSD? Quanto previram que o fizesse com mais de 70% dos votos, derrotando figuras de peso, como Paulo Rangel e Aguiar Branco? Quantos pensaram que podia derrotar Sócrates, incluindo batê-lo num debate televisivo? Quantos previram que a mais difícil das legislaturas chegasse ao fim? Quantos deram o seu governo como morto no dia da demissão de Paulo Portas? Quantos acharam que Portugal tinham 0,5% de hipóteses de ter uma saída limpa? Quantos imaginaram sequer que pudesse vencer as eleições?
Olhando para estes anos e para a sua liderança do PSD, acho que ele foi sempre defraudando todas estas expectativas (negativas) porque foi sempre Passos Coelho, mesmo com os defeitos que não posso deixar de lhe apontar. E ser Passos Coelho talvez comece mesmo em Massamá e na Manta Rota, isto é, numa forma de vida que o aproxima muito mais do português comum do que das elites que comentam, analisam e falam de cátedra.
É por tudo isso que prefiro alguém assim, que não se “reinventa” para agradar a outrem, mesmo quando esse outrem sou eu mesmo. Mais: prefiro um teimoso coerente do que um habilidoso cata-vento. Ao menos sei com o que conto, o que é dizer imenso quando olhamos para a política dos dias que correm.
PS. Não tive oportunidade de o dizer na altura, digo agora: foi vergonhoso o voto contra do PSD na condenação, pela Assembleia da República, dos julgamentos de Luanda. Vergonhoso. Tal como o do CDS, pois o do PCP foi apenas… lógico.
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