Sei que vivemos na época do “Fact Free”. É uma tendência que presumo importada dos iogurtes e outras espécies alimentares que se orgulham do “fat free” e de que os políticos de vários quadrantes se aproveitam, e não só porque está na moda – é que fugir dos números e dos factos dá muito jeito.
Quem quer dados se puder ter uma dose generosa de pensamentos positivos? Quem quer saber de factos quando se pode acreditar numa boa história da carochinha? E quem está disposto a absorver números quando é tão fácil assobiar para o lado e elogiar o turismo?
Pois bem: contra a corrente, decidi começar o ano com dados, factos e números e sei bem como isso pode ser desinteressante e perigoso para os leitores mais sensíveis. Tenho, pois, consciência da tarefa ingrata a que me proponho e por isso vou procurar conter o volume de informação a descarregar, mas fica, ainda assim, feito o aviso – quem ler a partir deste parágrafo corre riscos de perturbações graves causadas pela súbita confrontação com a realidade e as consequências ficarão apenas a dever-se à sua ousadia pessoal!
Primeiro, alguns dados e números.
O índice de Volume de Negócios na Indústria apresentou uma variação homóloga nominal de -2,2% em Novembro passado, reflectindo o abrandamento da procura por parte do mercado externo.
Em Novembro de 2018, as exportações de bens registaram uma variação homóloga nominal de -8,7%, enquanto as importações aumentaram 11,5%, razão pela qual o défice da balança comercial aumentou 1.157 milhões de euros por comparação com o mês de Novembro de 2017, registando um saldo negativo superior a 2.000 milhões de euros.
Portugal atingiu em Outubro de 2018 o valor mais alto de sempre da sua dívida pública líquida em termos absolutos: 251,1 mil milhões de euros (para os mais desatentos, regista-se que o aumento da dívida não pode apenas ser explicado pela vontade do Governo em contrair dívida para antecipar pagamentos ao FMI e brilhar nas aberturas dos telejornais).
O indicador de confiança dos consumidores diminuiu em Novembro e Dezembro, retomando o caminho descendente iniciado em Junho e reflectindo o contributo negativo aportado pelas perspectivas relativas à evolução da situação económica do país, pela situação financeira dos agregados familiares e pela poupança.
Todos estes dados mostram que o país real existe e que é bem diferente do país cor-de-rosa que a propaganda do Governo faz circular todos os dias com a eficaz e feliz colaboração da maioria esmagadora dos media – que não mediam, apenas transmitem.
Agora, alguns factos.
O investimento público praticamente acabou em Portugal. Qualquer riqueza criada tem sido utilizada para “repor rendimentos” (leia-se: despejar dinheiro em qualquer grupo de pressão que ameace a serenidade do país, com incidência quase exclusiva na função pública) e isso não é compaginável com investimento. Mas parece que agora – em ano eleitoral – o Governo tem um plano de investimentos em obras públicas pronto para avançar, de cerca de 20.000 milhões de euros até 2030 (e quem vier a seguir que feche a porta). Este plano, aliás, sucede a um “Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas”, cujos projectos estão por realizar em 80%.
A carga fiscal em Portugal é a mais elevada de sempre, consumindo quase 35% do PIB nacional e situando-se cerca de 5 pontos percentuais acima da média da OCDE. Isto, apesar da degradação diária e visível de tudo quanto são serviços públicos e da inexpressividade do investimento já explicada.
O PIB per capita de Portugal coloca-nos em 15º entre os 19 estados-membros da zona euro (em 2016 o nosso lugar era o 13º e era o 14º em 2017) — em 3 anos de “fim de austeridade” descemos três posições. O nosso PIB per capita baixou para cerca de 77% da média da União Europeia e vem cimentando a sua trajectória de divergência com ela – basta-nos agora destronar a teimosa persistência da Lituânia para descermos abaixo da linha de água e entrarmos oficialmente na zona de despromoção. Num assunto bem mais sério e importante do que o bem-estar dos portugueses, medido pelas horas que lhe são dedicadas pelos debates televisivos — o futebol –, qualquer treinador já teria há muito sido despedido, após o conveniente linchamento público.
Muito simplesmente, eu chamo a isto tudo um desastre — um país super endividado, a produzir menos riqueza relativa que todos os seus pares europeus, com exportações em queda, importações em alta e carga fiscal asfixiante. É um Estado gigante nos custos e cada vez mais anão nas infraestruturas.
Ano Novo, Vida Velha!