Não se deve transformar as petições públicas em processos corriqueiros e banais, mas em formas reais e sérias de manifestação da sociedade civil. As proibições não são a receita mágica para todos os problemas.

Fui convidado a assinar uma petição online que pede a abolição do Partido “Chega”. Dizem alguns jornais que já recebeu o apoio de mais de 20 mil pessoas.

Porém, embora considere execrável a existência de forças políticas desse tipo na sociedade portuguesa, não assinei nem vou assinar por duas razões importantes.

Primeira, porque as proibições não são, nestes casos, a melhor solução no combate ao extremismo. Pelo contrário, frequentemente, isso torna-se contraproducente. No caso do “Chega”, não duvido que isso contribuiria para o aumento da popularidade de André Ventura e dos seus seguidores.

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Em vez de os transformar em “mártires” e “vítimas” é fundamental mostrar, na teoria e na prática, que a sociedade portuguesa tem soluções democráticas para resolver os problemas, por muito difíceis que eles sejam, sem que haja necessidade de recorrer a medidas extremas como a xenofobia, o racismo ou a limitação dos direitos humanos.

No campo da teoria, é preciso discutir todos os problemas sem complexos e de forma argumentada, sem demagogias e promessas vãs. As forças democráticas, tanto da esquerda, como da direita, devem chamar a si essa tarefa, não se deixando transformar num pântano de ideias ultrapassadas ou de inactividade.   São elas que devem dirigir a acção com vista a travar a corrupção, os abismos e desigualdades sociais existentes.

Aliás elas já deram provas de que foram as únicas capazes de transformar a Europa numa das regiões do mundo mais prósperas, do ponto de vista económico e social, depois da Segunda Guerra Mundial. Os extremismos, onde vingaram, deixaram apenas violação dos direitos humanos, desigualdades gritantes e miséria.

Nesta luta ideológica, é igualmente importante a educação. O estudo da História tem, aqui, um peso muito significativo, ou talvez mesmo determinante.

E isto leva-me à segunda razão pela qual eu não assino nem assinarei semelhante petição pública. Ela está incompleta e, por isso, é inconsequente. Se querem proibir, então façam o mesmo em relação a todos os extremismos e não apenas ao de direita.

Nenhuma, sublinho, nenhuma experiência da extrema-esquerda teve êxito em qualquer parte do mundo. Em nenhuma sociedade dita “comunista” se respeitaram as mais elementares liberdades democráticas, os direitos dos cidadãos. E aconteceu praticamente tudo o que sucedeu em regimes de extrema-direita: tortura e matança de adversários políticos, intolerância absoluta face às pessoas que pensavam de outra maneira ou que lhes pareciam ser obstáculos rumo ao poder absoluto.

Peço desculpa pela longa citação, mas não posso deixar de aconselhar aos autores da citada petição o que escreveu Vassily Grossman, escritor soviético de ascendência hebraica e jornalista de guerra, no seu romance “A vida e o destino”, por muitos considerado o “Guerra e Paz” do século XX.

Nessa obra, ele criou uma conversa entre uma alta patente das SS nazis e um recluso russo, bolchevique de longa data. Aqui ficam as palavras do alemão:

“Quando olhamos no rosto um do outro, não olhamos apenas para um rosto odiado, olhamos para o espelho. Nisto reside a tragédia da época, será que não vos reconheceis, a vossa vontade em nós? Será que para vós o mundo não é a vossa vontade, será possível fazer-vos hesitar, travar? … Parece-vos que vós nos odiais, mas isso apenas parece: vós odiais-vos a vós próprios em nós. … Nós lançamos um ataque contra o vosso exército, mas atacamo-nos a nós próprios. Os nossos tanques romperam não só a vossa fronteira, mas também a nossa, as lagartas dos nossos tanques esmagam o nacional-socialismo alemão. … Isto pode acabar de forma trágica para nós. … Se nós vencermos, nós, vencedores, ficaremos sem vós, sozinhos contra um mundo estranho que nos odeia. … Dois pólos! Claro que é assim! Se isso não fosse completamente exacto, essa guerra terrível não teria hoje lugar. Nós somos vossos inimigos mortais, sim, sim. Mas a nossa vitória é a vossa vitória. Se vós vencerdes, nós pereceremos e iremos viver na vossa vitória. Isto é como um paradoxo: se perdermos a guerra, nós venceremos a guerra, iremos desenvolver-nos de outra forma, mas a essência será igual. … Pense! Quem estará nos nossos campos de concentração se não houver guerra, se neles não estiverem presos de guerra? Nos nossos campos de concentração, se não houver guerra, estarão presos os inimigos do partido, os inimigos do povo. Os vossos conhecidos, eles serão reclusos também dos nossos campos de concentração. … Os vossos contingentes são os nossos contingentes. … Hoje assusta-vos o nosso ódio para com o judaísmo. Talvez amanhã vós assimilareis a nossa experiência. … Eu percorri um caminho longo e difícil, fui conduzido por um grande homem. Vós também fostes conduzidos por um grande homem, também percorrestes um caminho longo e difícil. … E tortura-me: o vosso terror matou milhões de pessoas e só nós, os alemães, compreendemos em todo o mundo: assim deve ser. … Hoje, olham para nós com terror e, para vós, com amor e esperança? Acredite que os que olham para nós com terror, olham para vós com terror também. … Não há diferença! Esta foi inventada. Nós somos a forma de uma essência: o Estado do partido. Os nossos capitalistas não são donos. O Estado dá-lhes um plano e um programa. O Estado retira-lhes a produção e o lucro. … O vosso Estado do partido também define o plano, o programa, retira a produção. Aqueles a quem chamais donos: os operários, também recebem salário do vosso Estado do partido. … Também sobre o Estado popular está desfraldada a bandeira operária vermelha, nós também apelamos ao heroísmo e unidade nacional e laboral, nós também dizemos: “o partido exprime o sonho do trabalhador alemão”. … E vós, tal como nós, sabeis: o nacionalismo é a principal força do século XX. O nacionalismo é alma da época! O socialismo num país é a expressão suprema do nacionalismo! … Eu acredito que a cabeça do vosso Estaline não está turvada pelo ódio e a dor. Ele vê a verdade através do fogo e do fumo da guerra. Ele conhece o seu inimigo. Na Terra há dois grandes revolucionários: Estaline e o nosso chefe. A sua vontade deu à luz o socialismo nacional do Estado. Para mim, a irmandade convosco é mais importante do que a guerra entre nós pelo espaço oriental. Nós construímos duas casas. Elas devem estar uma ao lado da outra. … Vós sois os nossos mestres, professores. Lenine criou o partido de novo tipo. Ele foi o primeiro a compreender que só o partido e o chefe exprimem o impulso da nação. … Depois, Estaline ensinou-nos muito. Para edificar o socialismo num país é preciso liquidar a liberdade camponesa de semear e vender, e Estaline não vacilou: liquidou milhões de camponeses. O nosso Hitler viu o inimigo: o judaísmo dificulta o movimento alemão nacional, socialista. E ele decidiu liquidar milhões de judeus. Mas Hitler não é apenas um aprendiz, é igualmente um génio! A vossa limpeza do partido em 1937 Estaline viu na nossa limpeza de Röhm, Hitler também não vacilou…”.

Ao terminar este longo monólogo, o oficial nazi conclui: “Mestre, irá sempre ensinar-nos e aprender sempre connosco”.

Coisas do passado, responderão alguns que se recusam a ver o que os rodeia para “manter a paz na consciência” ou para dar ar de um falso pensamento consequente. E daí partem para a mentira. Se numa manifestação contra o racismo aparecem pessoas com cartazes do tipo: “O polícia bom é o polícia morto” ou “O diabo veste farda”, eles preferem acusar a extrema-direita de “fotomontagens provocadoras” ou de “infiltrados”. Se são vandalizadas e derrubadas estátuas de Cristovão Colombo, Abraão Lincoln , Winston Churchill ou do padre António Vieira, a culpa volta a ser dos “provocadores”.

Não, isso é fruto do discurso do ódio, da intolerância e do revisionismo histórico por parte também da extrema-esquerda. Esta, tal como a extrema-direita, só consegue os seus objectivos criando a confusão e o caos.

Acharia mais sensato se a petição pública partisse da resolução do Parlamento Europeu, aprovado em Outubro do ano passado, que “condena veementemente os actos de agressão, os crimes contra a humanidade e as violações em massa dos direitos humanos perpetrados pelos regimes nazi e comunista e por outros regimes totalitários”.

E não proibir, mas educar, mostrando com políticas concretas que a democracia é melhor do que qualquer ditadura, fazer cumprir a lei, sem excepções.