Ouvimos falar, infelizmente, cada vez mais, nas notícias, nas redes sociais, nos jornais, nas constantes acusações entre partidos políticos, em populismo. De tanto se falar e acusar, o termo está-se a banalizar e a tendência natural para coisas banais é dar-lhes cada vez menos importância, até se chegar a um ponto em que parece que não tem mesmo qualquer importância. Este é talvez, o primeiro perigo, e, paradoxalmente, é na banalização, que começa o potencial de destruição de uma sociedade.
É na sua essência, um discurso fácil de construir e de ouvir, raramente ou nunca baseado em factos, mas em perceções simplistas e que à partida parecem óbvias. Porém, não passam de narrativas construídas com base na descontextualização e no apelo às emoções, que será talvez, das características do ser humano mais difíceis de controlar, mas ao mesmo tempo, das mais fáceis de manipular. Desengane-se quem pensar que os populistas são básicos, ou burros! Antes pelo contrário, sabem exatamente o que estão a fazer e fazem-no propositadamente para atingir esse tal ponto difícil de controlar, mas fácil de manipular: as emoções!
Os líderes populistas apontam recorrentemente aquilo a que chamam “causas justas”. Para mim, uma causa justa deve ser a favor de algo, num sentido afirmativo e otimista, inclusiva, orientada para servir, ou seja, para benefício principal de outros, em suma, idealista. Estes líderes não propõem nada disto, visto as suas propostas serem focadas apenas em políticas de curto prazo, com o objetivo de obter o máximo de apoio imediato, ignorando por completo as consequências a médio e longo prazo que o seu discurso e, quando no poder, as suas políticas podem ter. Estas abordagens tendem muito frequentemente para decisões económicas insustentáveis, fragilizando a estabilidade financeira e prejudicando gravemente qualquer plano de prosperidade a longo prazo. E como diz o ditado popular “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
Um discurso populista, para além de simplista, apresenta quase sempre uma abordagem imediata dos temas, pois são sempre os “temas do momento”, e polarizada. Esta excessiva e quase sempre enviesada simplificação e, sobretudo, polarização, têm efeitos muitos prejudiciais e profundos numa sociedade. Uma das características mais evidentes e distintivas deste tipo de discursos é a tendência para criar uma narrativa binária, dividindo a população entre “nós” e “eles”, ou os “bons” ou “de bem” e os “maus”. Isso gera uma atmosfera de hostilidade e desconfiança, minando a coesão social, em que o “nós” e o “eles” pode estar assente num preconceito xenófobo ou até material e de classe (“os ricos” maus e os “trabalhadores” bons).
Este tipo de discurso, simplista e fácil, frequentemente explora, instrumentaliza e exacerba essas divisões sociais, muitas vezes criadas artificialmente, seja com base em questões económicas, étnicas ou culturais, que potenciam o aumento da intolerância, discriminação, desconfiança e até mesmo de conflitos, que propiciam o crescimento de sentimentos de insegurança e de medo, prejudicando gravemente a coesão social, a convivência pacifica e favorecendo um caminho para uma sociedade baseada e segregada em grupos, ferindo os fundamentos mais básicos de uma sociedade saudável.
A disseminação de ideias, ações e políticas populistas tendem a minar as instituições democráticas, enfraquecendo os princípios fundamentais das democracias liberais ocidentais, da separação de poderes, da independência, da liberdade de imprensa, da liberdade individual, de escolha e de associação, criando, muitas vezes de forma pouco evidente e lentamente com o intuito de ir passando despercebido, até que seja muito difícil de reverter, um ambiente propicio para a deterioração dos direitos civis e um enfraquecimento e até desconfiança da democracia. Com isto, abre-se um potencial de caminho para governos autoritários. Foi assim há 100 anos, cabe-nos a nós evitar que volte a ser assim 100 anos depois.
O populismo é uma espécie de cancro da sociedade ou, na melhor das hipóteses, um teste à fibra das sociedades e aos valores de cada Individuo, deixando-nos mais vulneráveis a crises, tornando-nos menos capazes de enfrentar desafios complexos e globais. Este cancro, tanto aparece no espectro político da direita, como da esquerda, não é exclusivo de nenhum deles. É até altamente explorado por ambos, sendo fundamental um olhar crítico para este tipo de discursos e de políticas. É preciso um discurso que contrarie estas narrativas e que promova abordagens mais moderadas e orientadas para o longo prazo, para a construção e preservação de sociedades estáveis, prósperas, consequentemente mais abertas, mais tolerantes, mais democráticas e… mais liberais!