No livro Em defesa do Capitalismo, Rainer Zitelmann constatou que “de vinte e dois países em análise apenas seis revelam tendências mais anticapitalistas do que Portugal”. Num artigo publicado no dia 2 de novembro neste jornal, ecoando as conclusões do seu estudo, o autor demonstrou, por exemplo, que 74% dos cidadãos associam a palavra Capitalismo com “frieza” e que 43% refere que o Capitalismo promove o egoísmo. Que em Portugal reside uma mentalidade anticapitalista não é certamente novidade – basta constatar a panóplia de manchetes sempre que uma empresa tem lucro. Tão predominante é esta atitude que o próprio Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, criticou a mentalidade lusitana de hostilizar empresários e tratar o lucro como pecado. Embora errada, esta perceção não é um problema dos portugueses – é um problema do Capitalismo e da sua imagem. Nos Estados Unidos, por exemplo, a percentagem de americanos entre os 18 e os 29 anos que vêm o Capitalismo de forma positiva diminui de 68% em 2010 para 45% em 2018. É inegável, o Capitalismo é cada vez menos popular, sobretudo entre as camadas mais novas da população.

Infelizmente, não é apenas a opinião pública que tem esta perceção do Capitalismo. Michael Sandel (2012), em What Money can´t buy, refere que à medida que os mercados se foram desenvolvendo também a ganância humana cresceu. Contudo, para Sandel, essa não é maior perda associada ao crescimento dos mercados. Na opinião do filósofo britânico, os mercados têm um poder coercivo, levando os indivíduos a comprar ou vender produtos/serviços o que não fariam se não estivessem em circunstâncias precárias. Na mesma linha crítica, o próprio Papa Francisco tem sido uma voz ativa na crítica moral ao sistema capitalista “que promove a cultura do descartável”.

Ao mesmo tempo que a perceção pública do Capitalismo se deteriora, os seus feitos são cada vez mais impressionantes. Em Enlightenment Now, Steven Pinker (Pinker, 2018) demonstra que desde 1820 até aos dias de hoje, a percentagem de indivíduos a viver em extrema pobreza passou de 90% para 10%. Na mesma linha de argumentação, a conceituada economista e historiadora económica, Deirdre McCloskey refere que o rendimento médio por pessoa aumentou 3000% nos últimos 200 anos, processo que a autora descreve como “o grande enriquecimento” (McCloskey, 2019). Na maioria dos países do mundo, os indivíduos são agora tratados de igual forma sob a lei, podem amar e casar com quem quiserem, podendo florescer tanto quanto os seus talentos permitirem.

E quanto à questão moral? Será verdade que o Capitalismo promove o egoísmo e comportamentos imorais? Os economistas Virgil Storr e Ginny Choi, no seu livro Do Markets corrupt our morals?, demonstram precisamente o oposto. Ao contrário de promover o egoísmo, os autores mostram que 48.61% dos indivíduos que residem em economias mercado referem ter doado para caridade em contraste com apenas 24.33 % em sociedades menos expostas ao livre-mercado. Os autores reportam também que em sociedades capitalistas 2,35% dos cidadãos consideram não ser antiético “escapar” aos impostos e 1.4% acredita que subornar em troca de favores não é condenável, em contraste com 5.71% e 2.93%, respetivamente, em sociedades não capitalistas. Em relação à crítica de que sociedades capitalistas promovem a ganância, e talvez de forma surpreendente, é possível constatar que apenas 12,11% e 29,45% da população residente em economias de mercado expressaram “ser rico e bem-sucedido” como fundamental, em contraste com 27,29% e 67,91%, respetivamente, em sociedades não capitalistas (Storr & Choi, 2019). Em suma, os resultados de Storr e Choi são claros: sociedades de livre mercado são sociedades mais altruístas, morais e menos materialistas.

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Em face do brutal enriquecimento que o Capitalismo gerou nos últimos 200 anos e da sua capacidade para promover uma vida mais moral, por que não é então o Capitalismo mais popular? James Buchanan, Prémio Nobel da Economia em 1986 e defensor da economia de mercado, acreditava que para que o liberalismo triunfe nesta batalha intelectual seria preciso apresentar-se “simultaneamente mais romântico e moralmente agradável” (Boettke,2021) . Em particular, Buchanan referia que o sistema de livre-mercado falhou/falha em inspirar a imaginação do público uma vez que o seu ênfase é sobretudo na liberdade, prosperidade e paz , mas omite a questão da justiça social (Boettke,2021)  Analisando os já mencionados resultados do estudo, é possível constatar que Buchanan estava certo: 67 % dos indivíduos reconhecem que o sistema é capaz de proporcionar liberdade, prosperidade e paz, ainda que 43% dos inquiridos acreditem que o Capitalismo leva a uma desigualdade crescente. A desigualdade económica é o maior desafio que as economias desenvolvidas enfrentam e um programa liberal que pretenda cativar o imaginário publico não pode evitá-lo. A economia de mercado não pode ser apenas eficiente e criadora de riqueza: tem também de assegurar que as “regras do jogo” em que os indivíduos atuam são justas. Embora não seja de resposta fácil, a questão de como assegurar uma sociedade menos desigual sem recorrer ao poder coercivo e discricionário da máquina estatal é talvez o grande desafio de um verdadeiro programa liberal. Para isso é necessário que os partidos liberais coloquem na agenda o combate às desigualdades e transmitam que é possível uma resposta de mercado a esse problema. Ignorá-lo é permitir que políticas mais intrusivas e nefastas para economia ganhem tração. Ignorar o problema é permitir o avanço do socialismo.

O economista austríaco e também ele Prémio Nobel, F.A. Hayek, argumentou no seu famoso artigo The Intellectuals and Socialism (Hayek, 1949) que o grande sucesso do socialismo se deveu sobretudo a sua coragem de ser utópico e que para que o Liberalismo triunfasse seria necessária uma “liberal Utopia . . . truly liberal radicalism”. Nenhum outro sistema económico trouxe tanta prosperidade. Como ele, nenhum outro foi alvo de tanto opróbrio. É importante refletir sobre os resultados deste estudo e ajustar a mensagem. Talvez chegue o dia em que odes e canções sejam produzidas em nome do Capitalismo, como aconteceu antes com a utopia comunista. Para isso precisamos duma utopia liberal: a visão de um mundo mais próspero, mais humano e, ainda que muitos assim não pensem, mais justo.

Referências:
Sandel, M. J. (2012). What money can’t buy: the moral limits of markets. Macmillan.
McCloskey, D. N. (2019). Why Liberalism Works. Yale University Press.
Pinker, S. (2018). Enlightenment now: The case for reason, science, humanism, and progress. Penguin UK.
Storr, V. H., & Choi, G. S. (2019). Do markets corrupt our morals?. Springer Nature.
Boettke, P. (2021). The struggle for a better world (No. 10748). George Mason University, Mercatus Center.
Hayek, F. A. (1949). The intellectuals and socialism. The University of Chicago Law Review, 16(3), 417-433.