Esta é uma história de princípios e valores e, como todas as histórias, deve ser contada do início. Entrei na Iniciativa Liberal ainda Miguel Ferreira da Silva era o seu presidente, tendo abandonando a liderança depois de se saber que a página da IL no Facebook tinha sido, nos seus primórdios, uma página de apoio a António Costa, num processo de conversão nunca explicado.
Na Iniciativa Liberal fui coordenador-geral dos núcleos de Setúbal e Almada, décimo terceiro elemento da lista às eleições europeias, cabeça de lista do partido nas legislativas de 2019 por Setúbal e cabeça de lista à Assembleia Municipal de Almada nas autárquicas de 2021, tendo sido eleito ainda duas vezes conselheiro nacional. Tenho, portanto, um conhecimento profundo das dinâmicas do partido e saio com a consciência de que o liberalismo funciona e faz falta a Portugal, mas que esta Iniciativa Liberal está longe, muito longe de protagonizar o liberalismo de que Portugal precisa.
A IL está longe de ser uma solução para os problemas que o país enfrenta, acredito que faz, aliás, parte do problema; tanto pelo seu funcionamento interno como externo.
Comecemos pelo funcionamento interno. Desde cedo reconheci na IL um problema grave; todas as decisões importantes são tomadas por um grupo reduzidíssimo de pessoas, o “núcleo duro” nas palavras de João Cotrim Figueiredo na Convenção de 2019. Acontece que o liberalismo, o verdadeiro, dá-se mal com “núcleos duros”, com decisões centralizadas e autocráticas. Nos partidos é comum (e saudável) existirem divergências, desacordos e tendências; recordo a este propósito a tentativa do BE de acomodar as diferentes visões do partido na liderança bicéfala entre Catarina Martins e João Semedo; mais recentemente Luís Montenegro convidou os seus adversários nas eleições directas para a Comissão Política Nacional, hoje Miguel Pinto Luz e Paulo Rangel são vice-presidentes do PSD; isto nunca poderia acontecer nesta Iniciativa Liberal, onde o sectarismo e tentativa de controlo são totais.
É inevitável voltar ao tema das inerências da Comissão Executiva no Conselho Nacional (aqui posso dar um exemplo concreto: o vice-coordenador geral no núcleo de Almada é, ao mesmo tempo, membro da Comissão Executiva, e, por inerência, membro do Conselho Nacional com direito de voto, se isto não grita despotismo, não sei o que o fará), da inexistência de segunda volta em eleições, como acontece, por exemplo, no PS, PSD ou CDS, ou a inexistência de eleição do líder dos jovens liberais pelos próprios jovens liberais. O funcionamento interno da IL é opaco, e um exemplo disso são as contas do partido; não é do conhecimento dos membros (nem sequer dos conselheiros nacionais) quantos funcionários tem o partido, quantos membros da Comissão Executiva são remunerados e quantos têm contratos de avença, nem os seus valores. No momento que o país atravessa, isto deveria ser o mínimo de informação que um partido que quer ser governo deveria prestar, não só aos membros, como a todos os portugueses.
Tudo isto representa a antítese do liberalismo, tudo isto faria corar de vergonha Adam Smith, Bastiat ou John Stuart Mill. O adiantamento da convenção onde se iriam discutir os estatutos é o corolário de um processo que a Comissão Executiva comandou através de um “grupo de trabalho” e do Conselho Nacional, onde tem maioria também, por via das inerências. Os socialistas não fariam melhor.
Se o funcionamento interno da IL não preenche os critérios mínimos do que a ciência política convencionou chamar “liberalismo”, a sua acção externa deixa também muito a desejar. A imposição das inúmeras vezes propaladas “linhas vermelhas”, numa altura que o país e as instituições atravessam uma crise gravíssima, é um erro imperdoável; agora que é absolutamente imperioso afastar o PS do poder, traçar estas “linhas vermelhas” é de uma infantilidade sem explicação (voltarei a este tema em novo artigo de opinião).
Existe outro factor, este igualmente relevante, que me faz acreditar que esta IL não está preparada para ter responsabilidade na gestão do país, e dou três exemplos concretos: Açores, Porto e Madeira. Nos Açores o deputado eleito e membro da Comissão Executiva rasgou o acordo que tinha assinado com o PSD com vista à formação do governo regional, colocando em causa a estabilidade governativa da região, não sendo capaz de apontar um ponto concreto do acordo que não estivesse a ser cumprido. No Porto, e após o apoio da IL à candidatura de Rui Moreira, a deputada municipal e membro da IL demitiu-se do lugar de vice-presidente do grupo municipal do movimento de Rui Moreira e, desde aí, Rui Moreira e membros da coordenação do núcleo do Porto da IL entretêm-se a trocar mimos nas redes socias. Na Madeira, o PSD preferiu entender-se com o PAN, mesmo depois de o deputado eleito pela Iniciativa Liberal (e membro da Comissão executiva) ter demonstrado abertura negocial, num claro falhanço daquele que deveria ser o objectivo principal do partido, influenciar a política do governo regional da Madeira.
Resumindo, a IL e os seus dirigentes actuais não possuem a maturidade que o actual momento exige, não estão à altura dos acontecimentos. Portugal vive um momento decisivo, agora não se trata de substituir uns políticos por outros, agora é mesmo para fazer diferente. É também por isso que deixo a Iniciativa Liberal.
PS: Não cometo o erro de confundir a clique dirigente da Iniciativa Liberal com a esmagadora maioria dos seus membros, muitos desiludidos com os partidos que têm governado o país e que viram na Iniciativa Liberal a solução, que como ficou demonstrado, claramente não é. Agradeço ao Carlos Guimarães Pinto a confiança que depositou em mim em 2019, mas deixo-lhe um último pedido, mais coragem e menos calculismo.